Jornal Estado de Minas

Auditores fiscais defendem análise nas dívidas dos estados com a União

Objetivo é que se descubra com precisão o real valor e o que deve ser pago

Alessandra Mello
Cresce a pressão para que a União renegocie as dívidas dos estados e também audite seus valores para descobrir o débito real dos entes federados. Muitos estados estão com sérias dificuldades em função dessas dívidas, que, nos últimos 12 anos, sofreram uma correção de quase 600% em função do indexador e das taxas de juros aplicadas nos contratos e que, em alguns casos, comprometem até 15% da receita líquida real. Uma das principais reclamações que vêm sendo feitas pelos defensores de uma auditoria na dívida dos estados é a cobrança de juros sobre juros, prática conhecida como anatocismo, vedada por uma súmula do Supremo Tribunal Federal. Entre os estados mais endividados com a União estão Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
“Queremos desembrulhar esse novelo. Ninguém quer dar calote nem adotar qualquer tipo de discurso demagógico sobre a nossa dívida interna e externa. Queremos fazer o que é correto e justo e jogar luz sobre esse processo para descobrir de fato de onde nasceu essa dívida, como ela foi crescendo e se ela é legal ou não”, defende Maria Lúcia Fattorelli, auditora fiscal da Receita Federal e coordenadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. Um exemplo citado por ela é a auditoria que o movimento ajudou a fazer na dívida do Equador, em 2007. A convite do governo do presidente Rafael Correa, ela fez parte da comissão que analisou a dívida equatoriana e concluiu pela ilegalidade de cerca de 70% do que era cobrado. Segundo ela, 95% dos credores aceitaram o resultado da auditoria, iniciada em 2007 e concluída em 2009, sem problema.

Uma auditoria nos débitos vem sendo tentada no Rio Grande do Sul. No início deste mês, cinco entidades ligadas ao fisco gaúcho, juntamente com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Tribunal de Contas do Estado, entraram com uma representação no Ministério Público Estadual e Federal pedindo uma investigação da dívida do estado com a União. O estudo que embasou esse pedido foi elaborado por João Pedro Casarotto, contador e integrante da Federação Brasileira da Associação dos Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), que assessorou a Comissão Parlamentar de Inquérito, concluída ano passado, sobre a dívida interna e externa brasileira. Para ele, os contratos das dívidas de todos os estados devem ser refeitos e os débitos analisados para apurar seu valor real. Segundo ele, os contratos firmados em 1998 foram malfeitos. “Esses contratos não foram uma operação de política pública, necessária na época para salvar o Plano Real. Eles foram firmados nos moldes dos contratos assinados pelos banqueiros, com correções abusivas, que estão, pouco a pouco, inviabilizando os estados”.

De acordo com Casarotto, os contratos das dívidas dos estados com a União são corrigidos pelo IGP-DI (Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna), um indexador que mensura a inflação, mais o acréscimo da cobrança de um percentual que varia de 6% a 9% sobre a dívida, de acordo com cada contrato. No caso de Minas Gerais, segundo ele, o contrato é corrigido pelo IGP-DI mais 7,5% de juros. Nos últimos 12 anos, de acordo com ele, isso representou um acréscimo de 576% dos valores da dívida, contra uma inflação nesse período de 119%.

Parlamentares se mobilizam

Em Minas Gerais, os deputados estaduais lançaram uma Frente Parlamentar pela Renegociação da Dívida dos Estados. Nas próximas semanas, a Assembleia pretende reunir o Tribunal de Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Tribunal de Contas do Estado para tratar mais uma vez do assunto. A economista Eulália Alvarenga, integrante do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais e coordenadora do Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida, também assessora a frente criada na Assembleia. Para ela, se não tivesse cobrança de juros sobre juros na correção de Minas Gerais, ela já teria sido paga. Na avaliação da economista, o comprometimento da receita do estado com a quitação dessa dívida é um dos principais responsáveis pela falta de recursos para pagamento de salários e aposentadorias dignos, investimento em transporte público e malha viária, e o não pagamento de precatórios.

O núcleo mineiro da dívida defende o fim dos juros sobre juros e a troca do indexador da dívida pelo IPCA, que corrige a perda do valor aquisitivo do real e é usado na maioria dos empréstimos feitos no Brasil. “Os estados estão eternamente dependentes da União, porque essa dívida é impagável. A união aplicou aos estados uma operação bancária comercial”, critica Eulália.

Para o presidente da frente parlamentar, deputado Adelmo Carneiro Leão (PT), o governo não pode ter uma “relação de agiotagem com os entes da federação”. “A lógica adotada nesses contratos é a do mercado financeiro e não de uma federação”. O deputado disse que o assunto está mobilizando todo o Legislativo e também o governo do estado, que já decretou que a dívida de Minas é impagável nos moldes atuais.

Na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária, no mês passado, a renegociação das dívidas, com a troca do índice utilizado para corrigir os débitos, foi um dos principais assuntos discutidos entre o governo federal e os secretários da Fazenda dos estados. O ministro da Fazenda , Guido Mantega, já sinalizou com essa possibilidade, mas por enquanto nada saiu do papel oficialmente. O governo de Minas já pediu também a troca do indexador, mesma solicitação feita pelo governo do Amazonas. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), na semana passada também cobrou uma posição do governo. Para ele, essa renegociação dos débitos pode ajudar principalmente a maior aplicação de recursos dos estados na saúde, um dos gargalos da administração pública em todos os níveis, de prefeituras à União.

O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), em recente encontro com o governador Antonio Anastasia (PSDB), disse que o indexador adotado pelos contratos de renegociação da dívida “maltrata os estados”. “É um indexador muito além da nossa inflação. Já pedimos ao Ministério da Fazenda que adote providências para essa troca, mas até agora nenhuma decisão foi tomada nesse sentido”.