O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá fazer hoje o mais importante julgamento do ano, que terá repercussão sobre as eleições futuras. A pauta prevê que os ministros decidam se a Lei Ficha Limpa será aplicada aos candidatos condenados em segunda instância antes de 7 de junho de 2010 – data de sua promulgação – ou se valerá apenas para aqueles condenados a partir daí. Com o plenário dividido e incerteza em relação ao posicionamento dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli, há o risco de que, por mais uma eleição, esteja aberta a cancela à candidatura de todos aqueles velhos conhecidos da política brasileira, “antigos” condenados por crimes eleitorais, de lavagem de dinheiro e de improbidade administrativa. Seria mais um golpe contra o espírito da Lei Ficha Limpa – Lei Complementar 135/2010 – , de iniciativa popular, que pretendia, já no pleito do ano passado, sanear a disputa eleitoral, deixando inelegíveis, por oito anos, candidatos condenados por órgão colegiado.
Duas teses vão se confrontar durante o julgamento da constitucionalidade da lei. Os argumentos foram postos ao longo do debate instalado sobre a sua aplicabilidade, desde a sua aprovação. Foi só no início deste ano, contudo, que o plenário do STF chegou a uma apertada decisão, beneficiando as candidaturas sub judice: nas eleições do ano passado a nova lei não poderia ser aplicada, porque foi promulgada um ano antes do pleito. Dessa forma, todos aqueles que questionavam judicialmente a impugnação de suas candidaturas por terem sido condenados em segunda instância tiveram os votos recebidos validados e puderam se eleger.
Um ponto central do julgamento de hoje diz respeito à aplicação retroativa da lei. De um lado, o presidente Cezar Peluso, os ministros Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes e Celso de Mello já se manifestaram em diversas ocasiões em defesa do argumento de que a lei não pode retroceder para prejudicar o réu. Além disso, defendem o princípio da presunção da inocência. Por esse entendimento, condenados em segunda instância não poderiam sofrer qualquer penalidade até que a sentença tivesse transitado em julgado, ou seja, não houvesse mais qualquer possibilidade de recurso. Pelo sistema recursal brasileiro, há um longo caminho, que pode levar décadas, até o trânsito em julgado.
Os outros quatro ministros da mais alta Corte do país – Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Carlos Ayres Britto e Joaquim Barbosa –, posicionaram-se em julgamentos anteriores de forma diferente: o princípio da retroatividade vale para o direito penal, não para o direito eleitoral. A inelegibilidade não é uma sanção, mas uma condição. Isso significa que as condições para que um cidadão possa se eleger podem ser alteradas de uma eleição para a outra e foi exatamente o que ocorreu com a Lei Ficha Limpa. Por esse argumento, ela deveria ter sido aplicada já no ano passado e é constitucional.
Presidente poderá desempatar votação
O posicionamento de dois ministros sobre essas questões ainda é incógnita e fará toda a diferença. Luiz Fux e Dias Toffoli se manifestaram no início do ano contrários à aplicação da lei para o pleito de 2010, considerando ter sido promulgada um ano antes das eleições. Ainda não manifestaram o que pensam sobre a aplicação da lei àqueles condenados por órgão colegiado antes de 7 de junho de 2010.
Se o julgamento terminar empatado, uma vez que a Corte tem, neste momento, dez ministros, caberá ao presidente, Cezar Peluso, o voto de minerva – nesse caso, votando duas vezes –, conforme define o regimento interno. O pleno poderá também optar por aguardar que a nova ministra nomeada tome posse. (Com Diego Abreu)
Presunção abalada
Uma das questões a serem decididas é a de atos e fatos passados, condenações criminais que têm, por exemplo, recursos extraordinários ou especial pendentes. Essas condenações implicam inelegibilidade, dado que proferidas por tribunal de segundo grau? Isso seria constitucional, considerando a presunção da inocência? Na minha opinião, esse dispositivo da Lei Ficha Limpa é constitucional. A Constituição consagra não uma certeza de inocência, que se daria pelo trânsito em julgado da sentença. Ora, diante de uma condenação em primeiro e segundo grau pelos crimes graves postos na lei, essa presunção estaria pelo menos abalada. Uma outra questão: e se a condenação tiver ocorrido antes da vigência da Lei Ficha Limpa? A inelegibilidade não é uma pena, é uma condição. Há um acórdão do STF nesse sentido, do qual fui relator. Mas há ainda um outro ponto que poderá ser abordado: aqueles casos em que políticos no exercício do mandato renunciaram para evitar a cassação antes da vigência da lei. Nesse caso, a renúncia constituiu-se à época um ato jurídico perfeito, já que a lei não impunha pena. Em minha opinião, a aplicabilidade da lei nesse caso é inconstitucional.
* Ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Nome aprovado
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) considerou positiva a indicação da ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Rosa Maria Weber para o Supremo Tribunal Federal (STF). "Rosa Maria, juíza de carreira, certamente contribuirá muito para a Corte, pelo seu preparo técnico e conhecimento jurídico, e fará jus ao cargo antes ocupado pela ministra Ellen Gracie. Precisamos de juízes de carreira no STF. A presidente Dilma está resgatando essa tradição constitucional positiva para a sociedade", disse o presidente da entidade, Gabriel Wedy. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti, também avaliou como positiva a indicação. "Ela tem uma trajetória de defesa dos direitos sociais. Isso confere a ela legitimidade para integrar a Corte Suprema", disse o advogado.