Brasília – Carlos Lupi só deixa o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) à bala, palavras do ministro. Além do uso da pasta em benefício direto aos aliados do PDT, por meio do combalido programa de capacitação profissional – como mostrou o Estado de Minas nesta semana –, Lupi conta com benefícios cotidianos que também explicam o apego ao cargo. O ministro teria feito 24 viagens oficiais neste ano, mas em 10 casos da lista, o cruzamento de dados indica que ele recebeu diárias mesmo sem ter participado de compromissos oficiais fora de Brasília. As ordens de pagamento trazem as cidades de destino, mas a agenda oficial divulgada no site da pasta informa que o ministro despachou na sede do ministério.
Uma prática recorrente de Lupi é estender as viagens pelos fins de semana, principalmente as internacionais: foi assim com Luanda (Angola), Lisboa (Portugal), Boston (Estados Unidos) e Paris (França). Em 13 das 24 viagens listadas, Lupi deslocou os voos – feitos em grande parte por aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) – para o Rio de Janeiro, sua base eleitoral e onde tem apartamento próprio.
Em Brasília, o auxílio-moradia de Lupi aumentou em 123% a partir de fevereiro. Foi o maior reajuste dentre os ministros da presidente Dilma Rousseff. A elevação foi permitida a todos eles em função do reajuste dos salários, equiparados à remuneração dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) – R$ 26,7 mil a partir de janeiro.
O auxílio-moradia pode chegar a 25% do salário e é decidido conforme critérios de cada ministério. O benefício pago a Lupi aumentou de R$ 2.687 em janeiro para os atuais R$ 6 mil. Proporcionalmente, foi o maior aumento entre os 15 ministros que pediram em algum momento neste ano a restituição do pagamento de aluguel. Dois deles receberam o teto, de R$ 6.680.
“O ministro pode agora receber com maior conforto suas duas filhas, o filho e a esposa, além do neto”, justifica a assessoria de Lupi. Antes, ele morava num apartamento de quarto e sala. Hoje, ocupa um imóvel de três quartos num condomínio luxuoso à beira do Lago Paranoá.
Estados Unidos Para estar entre 15 e 19 de setembro em Boston, onde participou de compromissos oficiais no Consulado Geral do Brasil, Lupi recebeu quatro diárias, no valor de R$ 3.196. O ministro teve apenas dois dias de agenda oficial na cidade, onde passou o fim de semana. Em resposta ao Estado de Minas, a assessoria de imprensa de Lupi sustenta que ele recebeu somente duas diárias e meia, no valor de R$ 1.996. Não é o que consta na ordem de pagamento disponível no Portal da Transparência, da Controladoria Geral da União (CGU). A informação é fornecida à CGU pelo próprio ministério.
Logo após chegar de Boston, Lupi embarcou para Paris, num compromisso oficial. Recebeu cinco diárias, no valor de R$ 4.337, e passou o fim de semana na cidade. A agenda oficial registra dois dias de trabalho na capital francesa. Não houve agenda no fim de semana. Prática semelhante foi adotada também em viagens dentro do país. Para visitar Maranhão e Sergipe, em julho, o ministro recebeu cinco diárias (R$ 2.743). Em dois dias que aparecem como parte da viagem, Lupi despachou em Brasília.
Na maioria das viagens, o ministro passou pelo Rio de Janeiro, principalmente às sextas-feiras, sábados e domingos. “Não houve pagamento de diárias quando o ministro estava em trânsito pelo Rio de Janeiro”, diz a assessoria de imprensa. “O retorno à residência permanente tem amparo no Decreto nº 4.244, de 2002”, completa.
O decreto estabelece as regras para o transporte de autoridades em aviões da FAB. O deslocamento ao local da residência é permitido, mas é o terceiro na ordem de prioridade para uso de aeronaves, atrás de “emergência médica” e “viagens a serviço”. “Não ocorreu pagamento irregular de diárias”, sustenta a assessoria do MTE.
Lupi está ameaçado de demissão do cargo de ministro do Trabalho. Pesa sobre assessores diretos dele a suspeita de cobrança de propina de entidades contratadas para oferecer cursos de qualificação profissional. Convênios teriam sido firmados para beneficiar o PDT, partido presidido por Lupi, e são alvo de denúncias de fraudes, desvios e outras irregularidades.
Sinal de apoio do Planalto
Guilherme Amado
Brasília – O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, defendeu nessa sexta-feira no Palácio do Planalto a atuação do ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Durante o intervalo de um seminário que discute um novo marco regulatório para a parceria entre o governo e ONGs, Carvalho afirmou que Lupi tem dado explicações para as denúncias e que é importante que ele “siga trabalhando”.
“Vocês estão observando: ele está respondendo as denúncias, ele está bem. Para nós, é importante que ele (Lupi) siga trabalhando. Para nós, está tudo caminhando como em qualquer outro ministério”, disse o Carvalho, afirmando que as novas denúncias surgidas contra Lupi, como as publicadas pelo Estado de Minas esta semana, não mudam situação dele em relação ao Palácio do Planalto. “Não muda nada porque cada denúncia dessa merece ser verificada, merece ser analisada. Sempre ter muito bom senso e ter o sentido democrático da defesa, da explicação”, afirmou.
Carvalho elogiou o trabalho da imprensa, que vem publicando uma série de denúncias mostrando irregularidades em parceria com algumas ONGs. “É evidente que o governo é sensível a tudo aquilo que aconteceu. O governo aprende com a realidade. A imprensa cumpriu papel importante para nós.” Em seguida, emendou: “As denúncias e as informações sobre malversações de recursos e a inadequação de emprego de recursos são o que de fato nos levaram a acelerar um processo que nós já vínhamos desde o início do ano trabalhando, que é a construção desse marco regulatório”.
Regulação Após dois meses de sucessivas denúncias sobre irregularidades no repasse de verbas a ONGs, o governo deu o pontapé inicial esta semana para a criação de um mecanismo para a relação entre entidades da sociedade civil e a administração pública. Ontem, um grupo de trabalho foi instalado com o objetivo de consolidar o conteúdo discutido ao longo dos últimos três dias no seminário Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, no Palácio do Planalto. A tendência é apertar o controle sobre os convênios. Carvalho explicou que não se trata de criminalizar as entidades. “O governo precisa ter mecanismos de controle. Temos consciência de que nós precisamos ampliar as nossas formas de controle e precisamos também que a sociedade participe desse controle, não apenas o governo”, defendeu.
Em setembro e outubro, a presidente Dilma Rousseff já havia assinado dois decretos para tornar mais rígidos os controles sobre repasses de recursos a essas entidades. O primeiro previa, entre outras medidas, que a contratação das ONGs deveria ser feita por chamadas públicas. O segundo, publicado no contexto da crise no Ministério do Esporte, suspendeu o pagamento por 30 dias para todas as ONGs do governo, enquanto era realizada uma análise nos contratos. “O governo quer combater aquelas formas de apropriação das entidades sérias por pessoas inidôneas que tentaram e que usaram recursos públicos indevidamente.”
Presente ao seminário, a presidente da Associação Brasileira de ONGs (Abong), Vera Masargão, lamentou que os escândalos estejam afetando a confiança da sociedade nas entidades. “Essa onda de escândalos tem causado um prejuízo enorme, não só para o erário, com esse dinheiro que é desviado ou mal empregado, mas porque prejudica a própria confiança da sociedade.”