Jornal Estado de Minas

Congresso

Reformas política e tributária ficam para o próximo ano

Entre as propostas que não ganharam espaço nas decisões da Casa estão o fim do voto secreto, leis mais rigorosas no combate à corrupção e punições para quem usa trabalho escravo em suas propriedades

Marcelo da Fonseca- enviado especial

A um mês para o recesso parlamentar, as prioridades para votações no Congresso já estão definidas. Durante as negociações da presidente Dilma Rousseff com ministros e líderes das bancadas no Senado e na Câmara, ficou acertado que as prioridades absolutas para o Legislativo, antes das férias de fim de ano, serão a prorrogação da proposta de Desvinculação das Receitas da União (DRU) por mais quatro anos e a votação do novo Código Florestal. No entanto, outros projetos considerados fundamentais pelos próprios líderes dos partidos, não receberam a atenção esperada e deverão ficar para o ano que vem. Além das reformas política e tributária – a primeira se arrasta nas comissões da Câmara e a segunda não chegou a ser discutida em plenário – , estão entre as propostas que não ganharam espaço nas decisões da Casa o fim do voto secreto, leis mais rigorosas no combate à corrupção e punições para quem usa trabalho escravo em suas propriedades.

O líder do PSOL na Câmara, deputado Chico Alencar (RJ), critica o fato de duas emendas que poderiam “resgatar a credibilidade tão abalada da política nacional”, já aprovadas em primeiro turno e prontas para ir a pauta, não terem previsão de votação: o fim do voto secreto e o combate à violência no campo. “O viés conservador do nosso parlamento, que só coloca em disputa projetos com apoio de larga maioria e consenso, acaba engavetando temas que deveriam ter sido debatidos neste ano”, ponderou o deputado. A proposta que previa o fim do voto secreto nas decisões do Legislativo foi apresentada pelo então deputado Luiz Barbosa (PFL-SP) em maio de 2001 – PEC 349/2001 – e aprovada em primeiro turno na Câmara em 2006. Este ano, o projeto já recebeu 15 pedidos de requerimentos para entrar na pauta do dia e ser votado em segundo turno, mas nenhum foi atendido.

Entre os líderes da oposição, que também participaram da reunião com a presidente Dilma, a justificativa para que tantas propostas fiquem para depois recai sobre a ação do Poder Executivo nas atividades do Legislativo. O excesso de medidas provisórias (MP) e a dificuldade de colocar em pauta temas polêmicos, que poderiam dividir a base aliada, foram apontados como principais problemas para o adiamento de questões importantes. “Passou da hora de votarmos o fim do voto secreto. Temos manifestações de todos os partidos, frentes parlamentares e bancadas, mas o projeto não entra na pauta de forma alguma. Outro tema fundamental é decidir sobre o aumento do rigor na punição, até com expropriação de terra, quando for verificada a prática de trabalho escravo. São bons projetos que ficam engessados e não recebem espaço no plenário porque são as medidas do Executivo que ganham prioridade”, disse o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).

Enxurrada de MPs

Para o deputado Duarte Nogueira, líder do PSDB na Câmara, faltou habilidade política por parte dos representantes do governo na Casa para conseguir um revezamento mais equilibrado entre as propostas das duas esferas. “A votação da DRU, por exemplo, poderia ter sido mais bem conduzida e conversada. Ficaram postergadas a questão polêmica na distribuição dos royalties e as matérias que tratam de maior celeridade no andamento de processos que envolvem crimes de corrupção. A sociedade espera regras claras para que sejam devolvidos os recursos desviados. Muitas medidas importantes ficarão prejudicadas por causa de uma enxurrada de MPs”, criticou o deputado tucano.

O presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), se encontrará novamente com as lideranças da Casa hoje para discutir a pauta das votações. Os temas colocados em pauta são acordados durante as reuniões de liderança e até o encontro da última semana ficaram definidas as prioridades para a votação da DRU e do Código Florestal. Foi informado também que as atividades devem seguir até 22 de dezembro

Palavra de especialista: o Executivo tem a força


Carlos Ranulfo - cientista político e professor da UFMG

Percebe-se que o Congresso tem dificuldades para definir sua agenda, que acaba sendo muito influenciada pelo Executivo. As reformas política e tributária e o fim do voto secreto estão entre temas antigos presentes nas discussões do parlamento, mas não se chega às definições porque não existe um consenso e o Executivo acaba responsável pela construção de entendimentos. Essa tendência não é exclusiva do Brasil e está presente na maioria das democracias modernas, em que o Executivo estabelece a agenda e trabalha negociando com o Legislativo durante as votações. A época que o Legislativo tinha maior força na construção das agendas era lá atras, no século 19. Não vejo como uma questão a se lamentar. Talvez essas mudanças sejam fruto de uma sociedade em que as decisões precisam ser tomadas mais rapidamente, mas o parlamento não perde sua força, já que entra na agenda como elemento fundamental para as discussões nacionais. Os parlamentares podem rejeitar, ampliar ou mudar as propostas que chegam até as Casas.