A ficha do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, finalmente caiu na tarde dessa quinta-feira. Submetido a um longo processo de desgaste provocado por uma enxurrada de denúncias, ele embarcou para o Rio de Janeiro disposto a escrever duas cartas: a primeira é uma defesa que será encaminhada à Comissão de Ética Pública da Presidência da República – o colegiado recomendou, na quarta à noite, a exoneração de Lupi; o segundo texto será a carta de demissão. Pessoas próximas ao ministro confirmaram ao Estado de Minas que a resistência dele chegou ao fim. Mas a presidente Dilma Rousseff, que viajou na manhã dessa quinta-feira para a Venezuela depois de determinar que fossem pedidas explicações à comissão sobre a recomendação, ainda poderá mantê-lo se insistir na estratégia de promover a mudança no Ministério do Trabalho no âmbito da reforma ministerial marcada para janeiro.
Além disso, a presidente considerou inadequada a maneira como a Comissão se pronunciou. Ela não gostou da postura do órgão consultivo da Presidência da República que, de maneira intempestiva e “surpreendentemente rápida”, nas palavras de um auxiliar, examinou as denúncias contra o ministro do Trabalho. Dilma e os auxiliares também consideraram subjetivas demais as palavras da relatora do processo, Marília Muricy, afirmando que as respostas de Lupi à Comissão tinham sido “insatisfatórias e inconvenientes”. Dilma quis ainda deixar claro que a palavra final sobre esse assunto cabe a ela e não à comissão.
Do ponto de vista político, Dilma não quer repetir com o PDT o que aconteceu com o PR de Alfredo Nascimento. O ex-ministro dos Transportes saiu magoado e jurando independência. Embora hoje o PR esteja fazendo o caminho de volta para a base, houve um desgaste com o partido. No caso do PDT, além da composição política atual, há as relações históricas tanto da própria Dilma, que já foi pedetista, quanto do ex-presidente Lula, que sempre contou com o partido. Leonel Brizola foi candidato a vice do ex-presidente em 1998. Em 2002, estiveram em campos opostos, mas, a partir de 2007, reconciliaram-se e Lupi foi ungido ministro do Trabalho. Em 2010, o PDT foi a primeira legenda a coligar-se a Dilma. E, mal ou bem, diz-se entre os líderes governistas, Lupi detém o controle do partido, muito mais do que Alfredo Nascimento comandava o PR. Daí todo o “carinho” da presidente para com o ministro.
Explicações
A agonia de Lupi era imensa nessa quinta-feira de manhã. Tanto que ele chegou ao Palácio do Planalto antes mesmo da presidente. Em um encontro privado, jurou mais de uma vez inocência em relação a todas as acusações que pesam contra ele. Mesmo assim, Lupi ainda se mostrava disposto a permanecer e lutar para o que der e vier. Mas, à sua volta, o clima não era o mesmo, nem no partido que o sustenta. A paciência também esgota-se no Planalto. Ao relatar o encontro, o ministro contou aos seus partidários que Dilma apenas pediu, de forma fria, que ele encaminhe a defesa à Comissão de Ética Pública, mas a presidente não estava com ares de “Lupi, eu te amo”.
Após a conversa, Dilma reuniu-se com o grupo de ministros palacianos e decidiu encaminhar um ofício à Comissão de Ética Pública solicitando o embasamento para a decisão de pedir a exoneração de Lupi. Diante do pedido da presidente, a relatora do processo contra Lupi na comissão, Marília Muricy, anunciou que não admite a possibilidade de rever a recomendação de exoneração do ministro do Trabalho, embora o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Sepúlveda Pertence, que preside o colegiado, tenha afirmado que, em tese, é possível mudar o parecer. “Não há hipótese de mudar o relatório e não acredito que a presidente peça isso. Estou convencida de que não há o que modificar”, afirmou a conselheira Marília Muricy.
O relatório da jurista foi duro com o ministro do Trabalho. No texto, ela afirma que Lupi foi arrogante e só tomou medidas de demitir assessores ou pedir investigações quando foi denunciado e aponta “inequívoca falta de zelo na conduta do denunciado”. Em outro trecho, ela cita especificamente a declaração de Lupi de que só sairia do ministério “abatido à bala”: “Soou como uma afronta à hierarquia”, criticou a relatora.
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, reforçou o coro pelo afastamento de Lupi do Ministério do Trabalho. O magistrado afirmou considerar de “grande relevância” a recomendação da Comissão de Ética e elogiou o trabalho do colegiado: “A manifestação da Comissão de Ética é extremamente relevante, seja pela qualidade dos seus componentes, pela isenção e pela prudência com que ela sempre tem atuado.”
Roberto Gurgel alertou que a denúncia do jornal Folha de S. Paulo de que Lupi teria acumulado vencimentos como funcionário da Câmara dos Deputados e da Assembleia Legislativa fluminense, entre 2000 e 2005 configura, em tese, crime de peculato. (Com Diogo Abreu)
Colegiado consultivo
Criada em 1999, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a Comissão de Ética Pública é formada por sete conselheiros, todos indicados pelo presidente da República para um mandato de três anos, renovável por mais três. Nas reuniões mensais, promovidas no Palácio do Planalto, são discutidos possíveis conflitos éticos envolvendo ministros, secretários e presidentes de estatais, entre outros cargos. Vinculados à Casa Civil, eles não recebem salários, apenas são assessorados por um corpo jurídico e por um secretário executivo. Quase todos os atuais seis integrantes são do mundo jurídico. Além do ex-presidente do Supremo Sepúlveda Pertence e da professora de Direito da Universidade Federal da Bahia Marília Muricy, também compõem o grupo o padre José Ernanne Pinheiro, ex-assessor político da Confederação Nacional dos Bispos do Braisl; o ex-ministro do STJ Humberto Gomes de Barros; e os advogados Fábio Coutinho e Roberto de Figueiredo.