O ministro da Educação, Fernando Haddad, praticamente já desencarnou do cargo. Em entrevista ao Correio, ele revela a expectativa de sair em janeiro para cuidar somente da campanha para prefeito de São Paulo. Discorda da desvantagem por ser desconhecido e aposta na TV para resolver o problema. Cita, aliás, o exemplo de Gilberto Kassab.
Ele também diz não temer qualquer adversário. “Você não pode entrar numa disputa escolhendo adversário. Ou você tem o melhor projeto para a cidade, ou então se junta a quem você acha que tem”, diz Haddad, quando perguntado sobre os demais concorrentes.
Se José Serra se apresentar, algo que é cogitado pelo PSDB, Haddad já tem discurso pronto para comentar o fato de que Serra deixou a prefeitura de São Paulo depois de dois anos para concorrer ao governo do estado, apesar de ter assinado um compromisso de completar o mandato: “Para deixar algum legado numa área tão complexa, como educação, você tem que ter um compromisso de médio prazo. Da mesma maneira na cidade de São Paulo. Não sairia de forma alguma”.
Por que o senhor quer ser candidato a prefeito de São Paulo?
O PT se apresentará no ano que vem desta maneira: não só com um nome novo, porque isso nada significaria, mas um nome novo que incorpore propostas novas para a cidade.
Que propostas?
Estamos debruçados sobre isso. Há vários projetos que precisam ser resgatados, lapidados, e foram deixados de lado nesses oito anos desde a nossa última administração. Já fiz referência ao plano de transporte público, abortado sem nenhuma explicação plausível. Um trabalho técnico, elaborado com pessoas que nem eram do PT. A vida do cidadão paulistano melhorou menos do que deveria numa década de enorme prosperidade para o país.
Ao longo de sua atuação como ministro, o senhor enfrentou críticas. Isso numa campanha eleitoral não é telhado de vidro?
Quando apresentarmos os resultados, ficará visível a diferença qualitativa da nossa gestão para as anteriores. O acesso à universidade, com qualidade: dobramos as vagas nas federais, criamos o Prouni, 38 institutos federais de educação, reformulamos o financiamento estudantil, fizemos a maior reforma da educação profissional da história. Fizemos também a reforma da educação básica, com a criação do Fundeb, do piso nacional do magistério. Não há paralelo. Foi a maior reforma educacional.
Esse negócio do Inep não pode dar cadeia?
Deixa só eu concluir que te respondo. Se você levar em consideração os resultados, é tudo muito eloquente. Ficará muito claro para a população, que não tem oportunidade de discutir esses assuntos porque não é interesse da mídia explorar mudanças estruturais. A oposição certamente falará dos problemas do Enem.
O que é relevante no Enem foi feito com extraordinário sucesso. A mudança do modelo pedagógico, a adoção do Enem para seleção de bolsistas do Prouni, o fim do vestibular em dezenas de universidades públicas. Agora, se fomos vítimas de dois crimes, e estamos punindo os criminosos, é até direito da oposição querer atacar um órgão da qualidade do Inep. Compare isso com o que acontece nas administrações Brasil afora.
E a empresa de tecnologia que usava laranjas?
Já fizemos quase 800 pregões eletrônicos na minha gestão. Mais de R$ 7 bilhões foram adquiridos em bens e serviços, na área de transporte escolar, mobiliário, uniformes, computadores, fármacos, equipamentos para hospitais universitários. Houve uma denúncia, que está sendo apurada, de um pregão que sequer foi pago.
Voltando à campanha, como está sua relação com Marta Suplicy? Ela demonstrou certa mágoa em entrevista recente.
A Marta queria ser candidata e tinha todo o direito de ser. Mas as lideranças que a apoiavam no passado estavam com dificuldades em manter esse apoio. Estive com ela, que manifestou esse sentimento de que desejava seguir à frente, mas as circunstâncias não ajudaram. E disse que eu poderia contar com ela.
Com quem o senhor vai compor nessa eleição? Chalita?
Não sei dizer. Vejo muita determinação pessoal dele em concorrer. Somos amigos e fomos parceiros em vários momentos nas reformas educacionais.
Em relação à invasão da reitoria da USP, o que o senhor faria se estivesse lá?
A universidade tem que dar demonstração de que é capaz de superar seus impasses com base no diálogo. Enfrentamos grupos mais radicais do que aquele. Sempre acreditei que fosse possível conversar com estudantes. Li uma vez uma entrevista do presidente Fernando Henrique Cardoso, em que ele dizia: “Não podemos tratar o estudante desta maneira e a tropa de choque não é a força necessária para garantir a segurança da comunidade acadêmica”. Concordo.
O senhor acha que o kit anti- homofobia pode atrapalhar o seu diálogo com movimentos religiosos?
Acho que não. Qual era a circunstância? Era uma emenda de comissão, aprovada por parlamentares no Congresso Nacional, uma representação no Ministério Público para que recursos fossem liberados, e a entrega de um material que nem sequer havia passado pelo Ministério da Educação.
Mas o senhor demorou a reagir.
Um deputado apresentou um material do Ministério da Saúde dizendo que seria distribuído para escolas. Até compreender o que tinha acontecido, levou-se dias. Quando veio para o MEC, a confusão, deliberada e proposital, já estava estabelecida.
O que cala mais fundo no senhor quando pensa no projeto para São Paulo? É segurança, é infraestrutura para acabar com as enchentes?
Os problemas se acumularam. Isso me leva a crer que vamos ter que apresentar um projeto de médio e longo prazo e dizer o que faremos em quatro anos. Caso contrário, podemos correr o risco de ganhar por quatro anos, como aconteceu com a Luiza e com a Marta, e não ganhar o coração da cidade. Quando o cidadão não se apropria do projeto, ele não consegue sequer calcular o que perdeu quando há alternância no poder.
Onde elas erraram?
Até hoje são prefeitas bem avaliadas. Veja como é delicado o jogo político em São Paulo: muitas vezes, o essencial dá lugar ao aparente, ao fenômeno, à forma mais que ao conteúdo. Você me perguntava sobre o Enem. Muitas vezes, um atentado contra o exame fala mais do que toda a transformação que ele proporcionou e proporciona. O mesmo vale para São Paulo. Na política, infelizmente, as decisões muitas vezes não são tomadas pelo que transforma a vida das pessoas e sim por um detalhe.