Previstas em lei para coibir a prática de propagandas irregulares nas eleições, as multas eleitorais têm se tornado um negócio lucrativo para muitos candidatos – especialmente aqueles dos partidos maiores ou cargos majoritários, que gastam milhões em suas campanhas. Como os valores são baixos – variam de R$ 1 mil a R$ 26.602,50 – muitos preferem cometer infrações previstas em lei com a certeza de que o benefício trazido pelo ato será maior que o prejuízo para o bolso. E desde o ano passado eles passaram a contar com as alterações promovidas pela Lei 12.034/09, que modificou artigos de três leis que regulam as eleições no Brasil: além de reduzir o valor das multas, que chegavam a R$ 53.205, a legislação ainda trouxe a possibilidade de parcelamento para o pagamento do débito.
E ainda assim os infratores fazem de tudo para não pagar. Para se ter uma ideia, em Minas Gerais foram aplicadas 181 multas nas últimas eleições envolvendo candidatos a governador, senador e deputados estaduais e federais. Algumas delas estão sendo apreciadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em recurso. Aquelas cujos processos já foram julgados e estão em fase de execução somam um total de R$ 153.602,50. Oito multados deixaram vencer o prazo para pagar R$ 27.320 e por isso foram inscritos na dívida ativa. Entre eles estão o deputado estadual Ruy Muniz (PRB) e o presidente da Ultramig, Jorge Periquito (PRTB).
Jorge Periquito foi multado em R$ 4 mil pela colocação de cartazes em árvores. Em 13 de janeiro deste ano seu nome foi incluído na dívida ativa, onde ficou até 11 de julho, quando quitou o débito. O candidato a deputado federal derrotado foi acusado de colocar propaganda em árvores, o que é vedado pela legislação eleitoral. “Paguei mesmo sendo orientado pelo meu advogado e meu contador a não pagar”, argumentou. O presidente da Ultramig nega ter cometido a ilegalidade. “Quando você entra em uma campanha, não tem controle de 100% do material. Cheguei a pensar que foi algum concorrente que fez isso”, disse.
Cabeça
O pastor da Assembleia de Deus em Coronel Fabriciano Elias Ramos Soares (PT do B) deve R$ 2 mil e não nega. Mas também não paga. “Não estou esquentando minha cabeça. Eu não preciso pagar essa multa para sobreviver. Se eu for disputar as eleições do ano que vem, eu pago”, afirmou ele, que já exerceu um mandato de vereador na cidade. O candidato derrotado alega ainda que está esperando o resultado da prestação de contas de campanha para “ver que caminho tomar”. Ele foi multado por ter colocado cartazes em postes de iluminação pública.
O prefeito de Romaria, no Alto Paranaíba, Ferdinando Resende Rath (PT), foi multado em R$ 5.320,50 por ter cedido veículo da prefeitura para carreata promovida por dois candidatos a deputados. Como venceu o prazo para pagamento, desde 1º de julho seu nome está na lista da dívida ativa. O prefeito não foi localizado para comentar o assunto. Por ter colocado cartazes em postes de iluminação pública de João Monlevade, Região Central de Minas, o candidato a deputado federal derrotado Paulo Cupertino (PSC) foi multado em R$ 2 mil. Ele negociou o pagamento da dívida em seis parcelas de R$ 333,33. Como não honrou o acordo, foi parar na lista dos devedores em 10 de março deste ano. O ex-candidato não foi localizado.
Peso é maior para pequenos
Na contramão dos candidatos, profissionais que têm de fazer valer o que diz a lei enfrentam uma dura missão. E nem sempre com sucesso. “Infelizmente essas multas não coíbem uma prática ilegal. Muitas vezes o cálculo delas já está no gasto da campanha. Retirar R$ 20 mil, R$ 30 mil para pagar uma multa não significa nada no gasto de uma campanha milionária”, lamenta o presidente da Associação Brasileira dos Magistrados, Procuradores e Promotores Eleitorais, Márlon Reis. Ele lembra que é impossível para o Ministério Público fiscalizar todas as propagandas, portanto o ideal seria dar a todos os candidatos o acesso a elas, em vez de tentar barrar aqueles que já o têm.
Para o coordenador do Centro de Apoio Operacional Eleitoral do Ministério Público de Minas Gerais (Cael), Edson de Resende, a multa só tem o poder de coibir práticas irregulares no caso de candidaturas pequenas. “Para um candidato a vereador de um município pequeno, pagar uma multa de R$ 5 mil acaba com a campanha dele. Mas para um candidato a governador ou presidente da República, o valor é muito pequeno”, observou. Embora muitos multados recorram à Justiça contra a pena, ele lembra que a maioria é mantida pelo TSE. Em débito com a Justiça Eleitoral, são ainda impedidos de tirar passaporte e até disputar um concurso público.
Os dois principais presidenciáveis nas eleições do ano passado – Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) – não escaparam das multas impostas pela Justiça Eleitoral. A petista foi punida por propaganda irregular em R$ 58 mil, dos quais já pagou R$ 28 mil. O tucano José Serra foi autuado em R$ 70 mil e já quitou R$ 40 mil com o TSE. O restante devido por ambos está sendo questionado em recursos que ainda não foram julgados.
Na fiscalização da aplicação da legislação brasileira, sobrou até para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No período pré-eleitoral ele também foi alvo de representações pelo Ministério Público e recebeu seis multas, totalizando R$ 42,5 mil, por ter favorecido a candidata do seu partido em eventos públicos e na televisão.
De acordo com o TSE, ele ainda não pagou nem um centavo e está recorrendo de todas elas. Isso, mesmo tendo sido beneficiado pela Lei 12.034/09, que reduziu o valor a ser pago por políticos que fizerem propaganda antecipada. Antes, a penalidade, estipulada em Ufir, variava de R$ 21.282 a R$ 53.205. Agora, vai de R$ 5 mil a R$ 25 mil.