Não há orçamento que dê conta das demandas salariais da elite do serviço público federal. O reajuste de 56% exigido pelo Judiciário desde dezembro de 2009 ainda não passou pelo Congresso e enfrenta a forte resistência da presidente Dilma Rousseff. Mesmo assim, desperta a cobiça. Outros órgãos, contemplados com generosos aumentos entre 2008 e 2010, querem ganhar mais em 2012. Servidores com curso superior da Câmara e do Tribunal de Contas da União, com rendimentos iniciais hoje em torno de R$ 12 mil por mês, não aceitam embolsar menos que R$ 19 mil e R$ 20 mil respectivamente. Um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) recebe R$ 26.723, mesmo valor do presidente da República e de ministros de Estado, considerado o teto do funcionalismo.
O substitutivo da proposta da Câmara, apresentado pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) e feito com a ajuda do Sindicato dos Servidores do Poder Legislativo (Sindilegis), garante ao consultor da Casa salário inicial de R$ 30 mil. Para o analista legislativo, o valor seria de R$ 20,4 mil. Conforme o projeto do TCU que está no Congresso, um analista de controle externo, que tem salário inicial hoje de R$ 14,7 mil, passaria a ganhar entre R$ 18,5 mil e R$ 25,8 mil, dependendo do percentual da gratificação de desempenho. Todos esses valores ficam muito distantes da renda dos trabalhadores com formação superior na iniciativa privada.
Estão na fila do Executivo por aumento o pessoal do ciclo de gestão, advogados da União, procuradores federais, delegados e agentes federais e auditores da Receita Federal. Brindada com reajustes de mais de 100% nos três últimos anos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, a remuneração desse grupo começa em R$ 13 mil e termina em cerca de R$ 19 mil. Com um ano, passam a ganhar quase R$ 1 mil adicionais. Eles reclamam que a remuneração final é equivalente à inicial do Legislativo e do TCU, mesmo que boa parte deles desempenhe funções mais complexas. Também na briga por reajustes estão os servidores das agências reguladoras, com vencimentos iniciais de R$ 10 mil.
Ordem
O pessoal da Receita e da Polícia Federal pressiona os parlamentares da Comissão Mista de Orçamento para incluir seus pleitos no Orçamento de 2012. Mas a tendência é seguir a ordem do Palácio do Planalto de não conceder aumento para ninguém. Nem mesmo para o Judiciário, que não é contemplado desde 2006. O relator da proposta orçamentária, deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), entrega o relatório na quarta-feira — o texto deve ser votado no plenário na quinta.
A manobra para votar rapidamente o projeto de lei do pessoal da Câmara alarmou o Palácio do Planalto, às voltas com a pressão do Judiciário. Dilma Rousseff pediu ao presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), para abortar a votação do reajuste neste ano, pois o considera inadequado num momento de crise econômica. Além de ter um custo alto, de R$ 7,4 bilhões por ano, o governo avalia que o reajuste linear para o Judiciário criará um grupo de privilegiados, pois mais da metade já ganha pelo menos R$ 10 mil e muitos recebem acima de R$ 14 mil por mês — centenas ultrapassam a remuneração de juízes, em torno de R$ 22 mil.
A cúpula do Judiciário está insatisfeita. Nos bastidores, alguns ministros do STF comentam a possibilidade de desengavetar os mandados de injunção de várias categorias, inclusive de juízes federais. As ações pedem a revisão geral anual de vencimentos, prevista no artigo n° 37 da Constituição, que não foi regulamentado até hoje pelo Congresso.
Nesse caso, a conta para todo o funcionalismo federal pode chegar a R$ 70 bilhões, por causa do pagamento retroativo desde 1995. Para azedar ainda mais o humor da cúpula do Judiciário, em conversa recente com o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, Chinaglia afirmou que a inclusão do reajuste no Orçamento só depende do aval do Planalto, pois dinheiro existiria.
Os servidores da Câmara e do TCU justificam os pesados reajustes com base nos atuais supersalários pagos pelo Senado, aprovados em tempo recorde em plena Copa do Mundo de 2010, quando os brasileiros estavam distraídos. Lá, um técnico de nível médio começa ganhando R$ 14 mil e o analista, R$ 18,5 mil.