Brasília – No mesmo dia em que três associações de juízes pediram a apuração da conduta de Eliana Calmon à frente da Corregedoria Nacional de Justiça, a própria ministra convocou uma entrevista coletiva para acusar as entidades de propagar informações “desencontradas” e “absurdas”. A corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou, na manhã de ontem, que o órgão realiza investigação patrimonial de juízes há quatro anos, em conformidade com as leis em vigor. De outro lado, as associações dos Magistrados Brasileiros (AMB), dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e dos Magistrados do Trabalho (Anamatra) acusam-na de quebrar o sigilo de mais de 230 mil servidores do Judiciário, além de juízes e parentes.
Visivelmente irritada com o que chamou de “linchamento moral” a que foi submetida, Eliana disse ter interrompido seu recesso para esclarecer que busca unicamente defender as instituições brasileiras da corrupção, já que “está em jogo a sobrevivência do CNJ”. “Só posso lamentar, porque tudo isso é fruto de maledicência e de responsabilidade da AMB, da Anamatra e da Ajufe. Associações que mentirosamente desinformam a população ou informam com declarações incendiárias e inverossímeis”, afirmou.
Segundo Eliana, a reação às inspeções do CNJ coincide com a investigação patrimonial deflagrada contra membros do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o maior do país, onde trabalham 45 mil servidores e mais de 2 mil juízes e desembargadores. Por lá, a ministra diz ter autorizado a análise de dados referentes a transações atípicas de 150 juízes e servidores, apontadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Ela afirma não ter havido quebra de sigilo fiscal e bancário, mas somente investigação pontual nos casos de magistrados que movimentaram mais de R$ 250 mil por ano.
De acordo com a ministra, as folhas de pagamento analisadas são referentes a 2009 e 2010, fato que exclui da investigação, segundo ela, os ministros do STF Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso – ex-desembargadores do TJ-SP –, conforme noticiou o Estado de Minas na edição de ontem.
A corregedora justifica ter iniciado as inspeções com base no Regimento Interno do CNJ e observou que seu antecessor “fazia esse trabalho”. Diante disso, o regimento do órgão estabeleceu que compete ao corregedor “requisitar das autoridades fiscais, monetárias e de outras autoridades competentes informações, exames, perícias ou documentos, sigilosos ou não, imprescindíveis ao esclarecimento de processos ou procedimentos submetidos à sua apreciação, dando conhecimento ao plenário”. Eliana disse ter comunicado os conselheiros sobre a inspeção por e-mail.
REPERCUSSÃO
O presidente da Ajufe, Gabriel Wedy, classificou as declarações de Eliana contra as associações de “inverídicas e maledicentes”. Para ele, o regimento do CNJ não pode se sobrepor à Constituição, que veda a quebra de sigilo de qualquer cidadão brasileiro, exceto com autorização judicial. Segundo Wedy, o CNJ não tem poder para violar sigilos. Ele observou, ainda, que as entidades já cobraram do CNJ e da Procuradoria-Geral da República (PGR) que apurem “a autoria e a materialidade de eventual prática de crimes de quebra de sigilo de dados” por parte de Eliana Calmon.
O ministro Gilson Dipp, colega de Eliana no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e seu antecessor na Corregedoria do CNJ, confirma ao EM que já conduziu investigações contra juízes que apresentaram movimentações financeiras desproporcionais com o salário que recebem. Ele alerta que o regimento do CNJ permite o controle financeiro dos tribunais e o acesso às declarações de Imposto de Renda. “Tínhamos ações pontuais, o que não era quebra de sigilo. Sou capaz de contar nos dedos”, recordou. Dipp disse não acreditar que o CNJ tenha investigado 200 mil pessoas, sob o argumento de que o conselho não tem estrutura para tamanha operação. “Essa divisão interna no CNJ só faz mal ao próprio conselho, à magistratura e à sociedade. Já as associações de classe mostram um alto grau de corporativismo.”
Enquanto isso...
…Processos não serão enviados
A ministra Eliana Calmon confirmou ontem, durante entrevista, que não vai remeter os processos disciplinares iniciados no CNJ para as corregedorias dos tribunais de origem do juiz investigado. A ministra disse, porém, que todas as investigações terão o curso interrompido, em cumprimento a liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que determinou a suspensão dos processos originários no CNJ. Eliana alertou que vai aguardar o fim das férias dos ministros do Supremo, em fevereiro, quando eles julgarão as liminares, para então definir os próximos passos em relação aos processos que apuram irregularidades cometidas por juízes.