O delegado Marcos Leôncio, diretor da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, explicou que as organizações criminosas especializadas em lavagem de dinheiro têm grande agilidade de atuação e a exigência de ordem judicial para acesso aos dados sem sigilo torna mais lento e burocrático o trabalho de investigação no Brasil.
Segundo Leôncio, o projeto de lei foi elaborado em 2006, como forma de viabilizar o estabelecido pelo Estratégias Nacional de Combate à Corrupção e Lavagem de Dinheiro (Encla), formada por diversas agências responsáveis pelas apurações do crime. “Uma das características da lavagem de dinheiro é o uso de nome falsos ou de fantasmas, criando uma cadeia criminosa. Portanto, a agilidade é fundamental, porque ela pode facilmente se desfazer e ganhar nova conformação”, defende o federal.
Ele lembra ainda que o veto de acesso a dados não sigilosos deixa sob suspeição a polícia e o Ministério Público. “A PF tem fé pública e não se pode partir da premissa de que a corporação usará indevidamente esses dados. O governo tem bancos muito ricos, como os dos tribunais regionais eleitorais e da Previdência Social. Por que não usá-los em defesa do próprio estado?”, questiona.
ACORDO Para tentar mudar a situação, o Ministério da Justiça e a Associação dos Delegados Federais se sentaram à mesa de negociação com senadores para tentar um acordo. Das alterações feitas pela Câmara, todos concordam que deverá ser revisto o veto de acesso aos dados não sigilosos. Nas demais, de acordo com o delegado Leôncio, o projeto será mantido com as alterações sugeridas pelo Ministério da Justiça, entre elas a redução da pena.
Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, o crime de lavagem de dinheiro sempre vem acompanhado de outro crime, como corrupção ou tráfico de drogas. Portanto, com uma previsão de pena mínima de 12 anos, o total poderia causar grande desproporção no sistema penal do país. A proposta terminou sendo aceita pela Associação dos Delegados Federais, que concordou também com a mudança relativa ao aumento de pena para lavagem de dinheiro do terrorismo.
O projeto de lei original previa um acréscimo da pena quando os recursos movimentados financiassem o terror, mas o Ministério da Justiça se comprometeu a acompanhar os inúmeros projetos de lei que tratam do crime já em tramitação no Congresso, para que essa previsão legal constasse em um deles.
“Acreditamos que a inclusão do tema terrorismo dentro da legislação sobre lavagem de dinheiro iria atravancar a votação, porque poderia suscitar inúmeras discussões, já que o crime de terror não está tipificado devidamente nesse conjunto de normas”, justifica o secretário.
Para ele, as alterações sofridas na Câmara, com exceção do veto ao acesso a dados não sigilosos, melhoraram bastante o texto original, e o que gerou o engessamento da investigação da PF e do Ministério Público foi uma redação pouco clara do artigo do projeto de lei. A Associação dos Delegados também concordou com a retirada da aplicação exclusiva dos bens apreendidos com a lavagem de dinheiro nas investigações policiais. “Mesmo sendo um importante instrumento de repressão, foi preciso um consenso para evitar o principal problema, que é o acesso a dados não sigilosos.”, afirma Marcos Leôncio.
MEMÓRIA - O caso do Banestado
O escândalo do Banestado (Banco do Paraná) é um dos maiores esquemas de lavagem de dinheiro já investigados no país, a partir da segunda metade da década de 1990, que teria movimentado mais de R$ 30 bilhões nas chamadas contas CC-5 (na foto, federais cumprem mandado de busca em escritório de advocacia em BH). Por meio delas, o sistema financeiro público brasileiro remeteu irregularmente os recursos para bancos dos Estados Unidos. Além da investigação da Polícia Federal, foi instaurada uma Comissão Parlamentar de Inquérito que resultou no indiciamento de 91 pessoas suspeitas de envolvimento no esquema de remessa ilegal. Na lista de pessoas sob suspeita estavam o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco. Ao todo, a comissão analisou 1,6 milhão de operações financeiras e investigou de 500 mil a 600 mil pessoas físicas e jurídicas.