Brasília – A presença de Clementino de Souza Coelho na Presidência da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), estatal vinculada ao Ministério da Integração Nacional, comandado pelo irmão Fernando Bezerra, é apenas um dos tentáculos que a família espalhou pela pasta. Com o filho Fernando Bezerra de Souza Coelho (PSB-PE) no segundo mandato de deputado federal, o ministro se preocupou também com o tio Osvaldo de Souza Coelho, de 80 anos. Ele foi indicado para o cargo de conselheiro do Conselho Nacional de Irrigação, “ligado ao gabinete do ministro”, segundo Osvaldo, que faz oposição a Fernando Bezerra, integra as fileiras do DEM e apoia o atual prefeito de Petrolina (PE), Julio Lossio, rival político do ministro.
Apesar de a família de Bezerra ter sofrido a primeira baixa na sexta-feira — o Palácio do Planalto anunciou que Clementino de Souza Coelho deixará a presidência interina da Codevasf nos próximos dias —, o clã mantém a aposta política para 2012: transformar o deputado Fernando Coelho Filho em prefeito de Petrolina. Ele aparece como pré-candidato do partido e segue os passos do pai e do tio, que, como o Estado de Minas revelou na sexta-feira, comandam orçamentos bilionários, favorecem a base eleitoral da família e beneficiam empresas próximas.
O deputado Fernando Coelho Filho segue à risca a cartilha da família. Destinou R$ 15,3 milhões em emendas parlamentares desde 2008 para a Codevasf. Do total de R$ 15,3 milhões, R$ 9,1 milhões (60%) se referem ao exercício de 2011. É o ano em que o pai do deputado, Fernando Bezerra, assume o Ministério da Integração Nacional e passa a definir o destino das verbas para os projetos de irrigação e para outros programas no semiárido nordestino.
Fernando Filho se preocupa em turbinar os programas de infraestrutura hídrica — o que inclui os projetos de irrigação — da Codevasf. As reportagens do Estado de Minas sobre as ações da estatal de favorecimento na região do ministro levaram o Palácio do Planalto a confirmar o afastamento de Clementino do cargo de presidente da empresa. A nomeação do novo titular, Guilherme Almeida, está prevista “para os próximos dias”.
DOAÇÕES
Entre os doadores de campanha de Fernando Filho, que recebeu R$ 1,1 milhão em 2006 e R$ 1,5 milhão em 2010, estão empresas de engenharia que mantêm contratos com a Codevasf. Outra doadora é a empresa Umbuzeiro Produções Agrícolas, beneficiada por projetos da estatal. Durante o processo de elaboração de emendas parlamentares para o orçamento, na lista de escolhas do deputado sempre figuram os investimentos para a Codevasf. Projetos de aquisição de máquinas, empreendimentos em Petrolina ligados à produção de frutas e construção de obras de infraestrutura hídrica foram contemplados nas emendas.
A nomeação do tio Osvaldo de Souza Coelho para o Conselho Nacional de Irrigação faz parte dos planos do ministro Fernando Bezerra de trazê-lo para perto. Mas, até agora, o conselho se reuniu uma única vez e não há registro da constituição do colegiado. “Não estou gostando dessa paralisia”, diz Osvaldo, que faz oposição à família do ministro na esfera local. “Politicamente, somos como água e azeite, não nos misturamos. Mas fui chamado por causa da minha defesa pela irrigação.” Osvaldo afirma que o cargo não é remunerado. Procurado pelo Estado de Minas, o Ministério da Integração Nacional não se posicionou sobre a situação do tio do ministro.
Interesse por áreas irrigadas
Fernando Bezerra e Clementino direcionaram para a região de Petrolina (PE) a maior parte das cisternas de plástico compradas pelo Ministério da Integração Nacional, mesmo Pernambuco sendo o terceiro estado mais carente de cisternas, atrás de Bahia e Ceará, como revelou o Estado de Minas na sexta-feira. O edital da licitação para a seleção da empresa que vai fabricar os equipamentos, a um custo de R$ 210,6 milhões, foi assinado por Clementino, em setembro do ano passado.
O circuito de atuação da família Bezerra Coelho em Petrolina fecha a ciranda Executivo, Legislativo e setor privado. No primeiro mandato, de 2007 a 2010, as principais ações do deputado Fernando Coelho Filho foram voltadas para a Codevasf, especialmente o setor de fruticultura das áreas irrigadas de sua base eleitoral. Ainda sem interlocutores diretos no Ministério da Integração, que à época era comandado pelo baiano Geddel Vieira Lima (PMDB), o jovem deputado utilizou o artifício de um requerimento, enviado em 2009, para pedir à pasta a “disponibilização de recursos para a modernização da infraestrutura dos perímetros de irrigação” e a suspensão temporária do pagamento de tarifas das empresas que utilizam as áreas. Em 2010, o deputado voltou a bater à porta do governo, dessa vez na Casa Civil. O parlamentar pediu a adoção de medidas para solucionar “problemas” na fruticultura do Vale do São Francisco.
A família tem interesse particular na área de irrigação do perímetro Senador Nilo Coelho, projeto da Codevasf que leva o nome do tio do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra. Em 2004, à época em que Clementino Coelho já era diretor da área de engenharia da Codevasf, lote da Manoa Empreendimentos e Serviços — empresa registrada em nome do ministro – foi beneficiada com autorização para fornecimento de água pela companhia no perímetro de irrigação, que compreende municípios de Pernambuco e Bahia. A assessoria do ministro alega que a Manoa foi vendida e não pertence mais a Bezerra, mas a empresa permanece registrada em seu nome, de acordo com documentos da Junta Comercial de Pernambuco.
MANGAS
No município de Casa Nova (BA), Caio Bezerra de Souza Coelho, irmão de Fernando Bezerra, é proprietário de grande empreendimento na área de exportação de frutas, também no perímetro de irrigação Senador Nilo Coelho. A Umbuzeiro Produções Agrícolas (Upa) utiliza área de 240 hectares nas terras irrigadas e produz cerca de 7 mil toneladas de manga por ano, exportando 80% da safra.
A empresa de Casa Nova é uma derivação da Umbuzeiro Participações e Administração, firma de Petrolina, que tem na lista de sócios o ministro e seus irmãos Caio e Clementino. A assessoria do Ministério da Integração Nacional afirma que a Umbuzeiro Participações e Administração “não tem nenhuma atividade agrícola em nenhum dos projetos da Codevasf”.
“Politicamente, somos como água e azeite. Mas fui chamado por causa da minha defesa pela irrigação”
Osvaldo de Souza Coelho, nomeado pelo sobrinho e ministro Fernando Bezerra para o Conselho Nacional de Irrigação
Explicações em pleno recesso
Brasília – Parlamentares de oposição se mostram favoráveis à proposta do ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra, de ir ao Congresso para explicar as denúncias de favorecimento político na distribuição de recursos para o seu reduto eleitoral e na liberação de emendas parlamentares. Mas integrantes do PPS, PSDB e DEM veem com reservas um depoimento na terça-feira, como sinalizou o ministro, em pleno recesso legislativo. “Seria inócua a ida de Fernando Bezerra ao Congresso neste momento, não haveria um debate minimamente conclusivo”, avalia o senador José Agripino Maia (DEM-RN).
O deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP) apresentou na quinta-feira um requerimento à Comissão Representativa do Congresso pedindo a convocação de Fernando Bezerra para falar dos critérios da pasta para a distribuição de recursos destinados à prevenção de desastres naturais e atendimento a regiões atingidas por calamidades. O pedido foi apresentado formalmente à Mesa Diretora do Senado e enviado a cada um dos 25 titulares da Comissão Representativa, afirmou Jardim. A prerrogativa de convocar uma reunião da comissão, entretanto, é do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). “Liguei para o Sarney, para reforçar o pedido, mas ainda não consegui conversar com ele. Não tive retorno ainda”, afirmou o deputado.
Assim que soube do pedido, Bezerra se prontificou a comparecer ao Congresso na terça para prestar esclarecimentos. O ministro se reúne hoje com a equipe técnica da pasta para fazer um balanço dos estragos causados pelas chuvas no Sudeste do país e se preparar para a reunião que terá amanhã com a presidente Dilma Rousseff.
convocação Integrante da Comissão Representativa, o líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias (PR), não acredita na possibilidade de Sarney, integrante da base aliada, convocar uma reunião para ouvir o ministro. “Seria interessante ouvir as explicações do ministro Fernando Bezerra o mais rápido possível, mas, com a maior parte dos parlamentares viajando, talvez este não seja o melhor momento”, avalia Dias. “O PSDB deve entrar com requerimento de convocação ao ministro no início de fevereiro, no retorno das atividades do Congresso”, informou o líder tucano.
O senador conta que ele mesmo teve negadas pelo Ministério da Integração emendas para o socorro a municípios de seu estado, o Paraná, atingidos por enchentes em 2011. “Com a maior parte dos parlamentares viajando, talvez não seja o melhor momento” Alvaro Dias (PR), líder do PSDB no Senado