Cerca de 185 mil cartinhas enviadas em dezembro pelos vereadores de Belo Horizonte ao seu eleitorado custaram R$ 90,7 mil ao erário. A despesa com correspondência é 47% superior àquela verificada em novembro, no valor de R$ 61,6 mil.
Estimulados por um ânimo que se acentua com a proximidade do próximo pleito, nessa categoria de despesas os vereadores contrataram R$ 152 mil em impressos e jornais de gráficas: antes de tudo trata-se de lembrar os eleitores dos grandes “feitos”. Em que pese dezembro se caracterizar, ao longo dos últimos três anos, como aquele em que as despesas parlamentares sobem com as postagens, em 2011 registrou-se o maior gasto do gênero ao longo do mandato que se encerrará em 1º janeiro do ano que vem. Em dezembro de 2009 foram consumidos com correspondência R$ 88,4 mil – 20% a mais do que no mês anterior – e no ano seguinte R$ 83,6 mil – valor 41% superior a novembro de 2010, quando foram dispendidos R$ 58,9 mil com correspondência.
As facilidades inerentes ao mandato introduzem uma inegável desigualdade na disputa entre detentores de mandato eletivo e novos candidatos. Com as verbas públicas, os atuais vereadores elaboram peças publicitárias camufladas de boletins informativos, que buscam estimular o recall dos eleitores, afetados pela amnésia de em quem votaram para a Câmara Municipal em 2008.
A despesa recai sobre o erário e os recursos obtidos com o financiamento de campanha são destinados a outras finalidades. “Sempre se reconheceu o direito do parlamentar de, ao fim de cada ano, fazer as comunicações aos eleitores. É claro que esse poder de comunicação tem determinados limites”, avalia João Batista de Oliveira, advogado especializado em direito eleitoral. “O vereador não pode se aproveitar dos votos de Natal para dizer: sou candidato”, considera Oliveira, lembrando que essa hipótese caracterizaria abuso de poder político, sujeito à cassação de um futuro mandato.
O limite entre o uso e o abuso das verbas indenizatórias por vereadores candidatos é tênue. Os campeões de gastos com postagem em dezembro na Câmara Municipal – Cabo Júlio (PMDB), Sérgio Fernando (PHS ) e Pricila (PTB ) – consumiram individualmente R$ 6 mil em cartas, o suficiente para encheras caixas de correspondência de cerca de 12 mil eleitores cada. São mais cartas enviadas do que votos obtidos pelo trio nas urnas há três anos. Mas o mailing mira novos eleitores que pretendem atingir, inclusive uma clientela conquistada com pequenos favores ao longo do mandato.
Perfil
“Cada vereador tem um perfil diferente. Quem tem voto em igreja não precisa gastar com correspondência, porque tem o público concentrado em um ponto de referência”, diz Cabo Júlio, secretário-geral da Mesa Diretora da Câmara. “O meu voto é polícia. Tenho em Belo Horizonte mais de 30 mil policiais entre ativos, inativos e pensionistas. Se pudesse mandar mensagens semanalmente para todos o faria. Mas a verba indenizatória do mandato não comporta isso”, diz o vereador, que declara enviar entre 50 mil e 60 mil correspondências ao mês.
As cartinhas carregam, segundo admite Cabo Júlio, as mensagens natalinas, com um foco bastante pragmático: a base eleitoral cativa. Tanto que o vereador se ocupou em sua correspondência de fim de ano de questões nada afetas ao seu exercício parlamentar: o aumento da categoria concedido pelo estado, portanto, uma questão da alçada dos deputados estaduais, responsáveis pela aprovação das proposições relativas ao funcionalismo estadual. “Expliquei nas cartas o aumento salarial para a categoria negociado em três anos e meio. A informação mais polêmica que levamos aos policiais foi o prêmio de produtividade, que era para ter sido pago em outubro, o que só foi feito em dezembro”, acrescenta Cabo Júlio.
Menos explícito é o argumento do vereador Sérgio Fernando para justificar a robusta correspondência de dezembro. “Fiz um informativo do mandato. Uma espécie de balanço e postei em dezembro”, assinala o vereador. “Não desejei feliz Natal, até porque muitos poderiam receber só depois das festas de fim de ano”, disse. Certo de que o abuso das verbas indenizatórias poderá levar à cassação de um eventual novo mandato conquistado em outubro, Sérgio Fernando recita as regras do jogo: “Tenho notícia de que os vereadores foram advertidos por consultores para evitar correspondências de Natal que possam ser interpretadas pela Justiça Eleitoral como campanha antecipada”. Como equilibristas, os vereadores tornam-se experts em dizer aos eleitores o que desejam, logicamente com recursos públicos, sem comprometer planos futuros de reeleição.
O que diz a lei
Resolução do TSE 23.370, de 14/12/2011, sobre propaganda eleitoral e condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições de 2012
1) A propaganda eleitoral é permitida a partir de 6 de julho de 2012 (Lei 9.504/97, art. 36).
2) São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
a) usar materiais ou serviços, custeados pelos governos ou casas legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;
b) ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou o empregado estiver licenciado;
c) fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo poder público.