Brasília – O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia hoje os trabalhos no Judiciário com uma pendenga do ano passado – e que se arrastou por todo o recesso. O primeiro item da pauta de julgamentos é a polêmica ação em que a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) tenta restringir o poder de o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abrir processos disciplinares contra juízes. A análise está prevista para ser iniciada no começo da tarde. Se não houver pedido de vista (é improvável que ocorra), a tendência é que a sessão avance até a noite.
Para a maior parte dos conselheiros do CNJ, o julgamento desta quarta-feira definirá o futuro do órgão responsável por exercer o controle externo do Poder Judiciário. Em 19 de dezembro, no encerramento do ano judiciário de 2011, o relator do processo, ministro Marco Aurélio Mello, concedeu uma liminar à AMB proibindo o CNJ de iniciar investigações disciplinares. Desde então, ficou fixado que o conselho só poderá atuar depois de as corregedorias dos tribunais concluírem os seus trabalhos de investigação.
Ao longo dos mais de 40 dias de recesso no Supremo, a crise não deu refresco ao Judiciário. Nos bastidores, fala-se que os ministros do Supremo retornam ao trabalho dispostos a definir a questão de uma vez por todas para evitar um desgaste ainda maior na imagem do STF.
Em discussão, está a Resolução 135 do CNJ, que uniformiza os procedimentos disciplinares da magistratura. A AMB pede que o dispositivo seja declarado inconstitucional, sob argumento de que o conselho deve exercer o controle administrativo dos tribunais, e não fiscalizar os juízes. A associação defende que a abertura de processos disciplinares seja restrita às corregedorias dos tribunais, de forma que as investigações pelo CNJ sejam exceção.
De outro lado, a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, abriu guerra contra as associações representantes da magistratura, posicionando-se pelos amplos poderes do CNJ de investigar juízes de forma concorrente, com a possibilidade de conduzir um processo paralelamente à atuação dos tribunais de Justiça. O presidente do Supremo e do CNJ, Cezar Peluso, já manifestou ser favorável à subsidiariedade do CNJ – mas é possível que ele faça algumas concessões no julgamento desta quarta-feira.
Em plenário, a tendência é de que os ministros encontrem um meio-termo para a atuação do CNJ. Nem a AMB será contemplada amplamente em seu pedido nem Eliana Calmon sairá vitoriosa. É possível que seja estabelecido um prazo para que os tribunais iniciem a investigação de forma que o CNJ possa atuar somente se esse prazo não for cumprido pelas corregedorias locais.
Estreia na corte
Pela primeira vez desde agosto, quando a ministra Ellen Gracie se aposentou, o Supremo terá uma sessão com o quórum completo de 11 ministros. Rosa Weber estreará com a missão de ser a primeira a se manifestar sobre a polêmica do CNJ, logo após o voto do relator. Defensor dos amplos poderes do conselho, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou ontem que o órgão perderá a razão de ser e terá um “embaraço” em sua missão caso tenha suas atribuições limitadas.
Pela manhã, antes do julgamento, o Supremo realizará a sessão de abertura do ano judiciário. A solenidade contará com a presença do presidente em exercício, Michel Temer, e do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Pedido negado
O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, arquivou ontem a representação em que três associações de magistrados pediam a investigação de uma suposta violação de sigilo funcional por parte da Corregedoria do CNJ. No pedido, as entidades indicaram que houve vazamento de informações referentes à movimentação financeira de juízes. Ao concluir sua análise, Gurgel destacou que não houve vazamento de dados sigilosos. Segundo ele, o relatório preparado pelo CNJ “limitou-se a proceder um exame global da movimentação dos magistrados e servidores por estado, sem fazer a indicação do nome ou CPF de qualquer um deles”.
Pressão Pró-Conselho
Com a presença de sete dos 15 integrantes do CNJ, 10 senadores, além de deputados, juristas e representantes da sociedade civil, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) promoveu ontem um ato de apoio ao CNJ. Com o lema “O CNJ é dos brasileiros”, o ato teve como objetivo, segundo o presidente da OAB, Ophir Cavalcante, defender o órgão do “conservadorismo dos juízes que se acham inalcançáveis”. “O CNJ precisa ter competência concorrente, a competência originária para, em determinadas situações, investigar os que não honram a toga da Justiça brasileira”, discursou Ophir. O ex-ministro do STF Nelson Jobim alertou que o órgão é imprescindível, uma vez que os juízes, na condição de servidores, “não estão aqui para mandar, mas para servir” e “prestar contas do que servem”.
Entenda o caso
Em agosto de 2011, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) protocolou uma ação no Supremo pedindo a revogação da Resolução 135 do CNJ, dispositivo que permite a abertura de processos disciplinares contra juízes.
A AMB defende que o conselho atue somente depois que a investigação for concluída pelas corregedorias dos tribunais de Justiça de origem do investigado.
O processo chegou a ser pautado quase uma dezena de vezes nas sessões do Supremo, mas o julgamento foi adiado reiteradas vezes.
Em 19 de dezembro, o ministro Marco Aurélio concedeu uma liminar que reduziu os poderes do CNJ. No mesmo dia, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a investigação que o CNJ conduzia contra movimentações financeiras suspeitas de juízes e servidores do Judiciário.
A primeira liminar será julgada nesta quarta-feira. A segunda ainda não tem data prevista.