O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar (Sintraf), o técnico agrícola Sérgio da Silva Reis, que apoia a nova invasão, disse que os candidatos a um terreno são cadastrados e vão sendo convocados sem interferência política. Silva Reis, que no passado viveu sob lona em uma ocupação em Araxá, confirma que existe um verdadeiro comércio de lotes de assentamentos em Ibiá, assim como o desvirtuamento no uso das propriedades, conforme o Estado de Minas mostrou com exclusividade na edição de ontem. Em assentamentos nos municípios de Ibiá e Uberlândia, que deveriam abrigar centenas de famílias comprometidas com o cultivo da terra, a reportagem do EM encontrou áreas abandonadas, sítios usados para lazer, ranchos de pesca, casas confortáveis, igreja evangélica e pequenos comércios. No cargo há apenas um ano, Sérgio Reis disse que é contra o comércio ilegal de terras da reforma agrária e tenta alertar os compradores para a gravidade do caso. Ele garante, no entanto, que os beneficiários não cobram pela terra, apenas vendem as melhorias do terreno.
Incertezas
O corpo de Manoel Barbosa de Vasconcelos é franzino e queimado pelo sol impiedoso da região. Às 15h da última quinta-feira, ele lutava para cortar um bambu e erguer, da melhor forma possível, a barraca em que vai viver nos próximos meses. A matéria-prima da sua nova casa exige longas caminhadas até o bambuzal e o retorno é penoso no terreno íngreme. Ainda assim, Vasconcelos não desanima. Conta que deixou Ilhéus (BA) para trabalhar em lavouras do Paraná, até chegar em Catiara, Alto Paranaíba, onde está há 17 anos. O trabalhador rural diz que estava plantando em um terreno de 10 alqueires arrendado e, sobre tudo o que produzia, era obrigado a entregar ao dono da fazenda 30%. “Sei que isso aqui é incerteza, mas estou cansado de não ter nada meu”. Com o cuidado de um artesão, Manoel conta, enquanto prepara sua cama de bambu, que gosta de plantar diferentes culturas, como arroz, algodão, café e milho, e é isso que planeja na terra nova. “Se Deus quiser vou conseguir”.
Mesmo de diferentes gerações, Manoel e Roberto Macedo dos Santos, de 34 anos, comungam da mesma esperança. Depois de erguer sua barraca de lona, Roberto agora ajuda um companheiro nos arremates finais. “Sempre trabalhei para os outros. Nunca rendeu nada”, explica. Diz que é a primeira vez que vive a experiência da ocupação de terra improdutiva e já faz planos: “Quero trazer meus três filhos, de 15, 14 e 13 anos, para viver aqui comigo”. De fazenda em fazenda, o trabalhador rural deixou Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha, região de extrema pobreza no estado, em busca de dias melhores em Catiara há dois anos. A terra boa da região, no entanto, não lhe rendeu frutos e Roberto decidiu se juntar ao MST. “Vou plantar de tudo um pouco”, planeja. Já o trabalhador rural Lindolfo Ferreira Gomes e sua mulher, Elis, não só ergueram a barraca como trouxeram tudo o que tinham para o acampamento – sofá, geladeira, fogão, cachorro e três filhos. “A gente trabalhava na roça e só fazia o de comer. Por isso, estamos aqui”, explica Lindolfo.
Perfil
O coordenador regional do MST em Minas, Edvaldo Soares dos Santos, diz que o sucesso da agricultura familiar está em assentar somente trabalhadores rurais. Ele condena as distorções e diz que isso é responsabilidade dos coordenadores das invasões de terras improdutivas. Santos, que vivia em um assentamento em Capitão Enéas, Norte de Minas, está no Alto Paranaíba para ajudar na instalação do novo acampamento. Ele condena o comércio ilegal dos lotes da reforma agrária e conta que abriu mão de seu terreno, que foi devolvido ao Incra. “Estou de mudança para esta região e, mesmo tendo mais de 10 anos no lote, fiz a devolução ao instituto.” O coordenador, entretanto, critica o governo, ao qual atribui a responsabilidade de fiscalizar a distribuição das terras da União. “É preciso acompanhar o processo.”