Mais de uma década é o tempo que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Minas – comandado pelo PT desde o início do governo Lula – consome para fiscalizar e detectar os desvios nos projetos de assentamento e recolocar no terreno os trabalhadores rurais. No PA Betinho, no distrito de Engenheiro Dolabela, em Bocaiuva – criado em 1998 para ser padrão de reforma agrária –, somente agora o instituto está notificando os ocupantes irregulares dos terrenos, que deveriam beneficiar mais de 700 famílias de agricultores.
A demora na fiscalização do Incra abre uma porteira para que situações como a do prefeito de Engenheiro Navarro, Sileno Lopes, se repitam nos assentamentos do Norte de Minas. Além do prefeito, vereadores de cidades da região se aventuraram sobre terrenos da reforma agrária. A boa produtividade atraiu o vereador Manoel Aristeu de Souza (PSDB), o Teu de Souza, de Buenópolis, a 50 quilômetros de Engenheiro Dolabela. Em vez de plantações, o que se vê no terreno é apenas uma casa de bom padrão de acabamento. Ele contou que a área foi doada pelo Incra à sua mulher, Ana das Mercês dos Santos Souza. “A gente cria um gadinho lá. A terra lá é meia fraca”, disse. O vereador alega que é pequeno produtor rural, mas admitiu que “mexe” com outra pequena propriedade no município de Buenópolis.
Com naturalidade, Teu de Souza contou ainda que, além da mulher, outros quatro filhos dele têm lotes no PA Betinho, que são cultivados. Garantiu, no entanto, que eles passaram pela seleção do Incra para a reforma agrária. “Não tem nada de irregular. Todos eles estão dentro da lei e atendem as normas do Incra”, assegurou.
Irregularidade
Outro que avançou sobre terras da união foi o vereador Júnior da Carne Seca, de Engenheiro Navarro, também apontado como proprietário de áreas no PA Betinho por dirigentes da Associação de Pequenos Produtores do Norte de Minas. A entidade lamenta os desvios e estima que entre 40% e 60% de todos os lotes do assentamento estão em situação irregular, nas mãos de pessoas que usam os terrenos apenas para instalar grandes fazendas de criação de gado ou para lazer.
Os dirigentes garantem que a responsabilidade é do Incra. Culpam a falta de fiscalização do instituto pelas distorções. “Não somos coniventes com nada de errado. A situação irregular existe por causa da omissão do Incra”, afirma Rui Rodrigues, presidente da Associação dos Pequenos Produtores da Reta Grande, uma das oito comunidades do PA Betinho. Na área da Reta Grande existem 220 lotes, com 20 hectares cada um.
Rodrigues contabiliza que pelo menos a metade das áreas está ocupada irregularmente. Explica ainda que, passados mais de 10 anos, nenhum dos assentados naquela área recebeu o titulo de posse da terra, emperrado pela ausência de licença ambiental do assentamento. “Sem a fiscalização do Incra, isso aqui virou uma espécie de terra sem lei. O assentado, quando percebe que não tem como trabalhar na terra, arruma um jeito de passar o terreno para frente, vendendo a área ou fazendo a transferência para outra pessoa de sua própria família. Existe lote que já passou por quatro ou cinco donos”, diz o dirigente da associação.
Sem crédito
O presidente Alfred Gudião dos Santos, da Associação dos Produtores da Barragem do Bambu, outra comunidade do PA Betinho, aponta a falta de licença ambiental como o maior entrave também para que os agricultores familiares tenham acesso a crédito para o plantio. A falta de recursos, segundo ele, faz com que os trabalhadores rurais da área decidam abandonar o local ou repassar seu lotes, com vendas, para conseguir algum dinheiro. “As pessoas que compraram os lotes, por preços muito abaixo do mercado, em razão da falta de documentação, acabaram se dando bem, especialmente se tiverem como investir na terra. .Por outro lado, o assentamento fica prejudicado, porque deixa de existir a reforma agrária de verdade”, diz Alfred.
Outro lado
Em sua defesa, o Incra alega que é a morosidade da Justiça em analisar as contestações de retomada da terra de ocupação irregular dos assentamentos. Diz ainda que foram assinadas mais de 500 notificações para a retirada dos invasores, que ainda cabe recurso administrativo e judicial. Quanto à demora de liberação da licença ambiental, esquiva-se alegando que não é de competência do instituto.