A venda ilegal e o uso irregular de terrenos em áreas destinadas à reforma agrária no Norte de Minas, que envolvem políticos e pessoas influentes, serão investigadas pelo Ministério Público Federal. Ontem, o procurador da República Alan Versiani, de Montes Claros, abriu procedimento para investigar os desvios. A medida foi tomada depois de reportagem do Estado de Minas, publicada ontem, revelar que terras de uma área de 24,6 mil hectares do Projeto de Assentamento Hebert Freire – PA Betinho, em Bocaiúva, destinadas a 736 famílias assentadas pelo governo federal em 1998, foram parar nas mãos de pessoas que nunca passaram pelo cadastro do programa de reforma agrária. As irregularidades nos assentamentos do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba também foram demonstradas pelo EM, em série de reportagem intitulada Terra Improdutiva , publicada nos dias 12, 13 e 14. A Procuradoria da República em Uberaba já propôs ação civil pública, com pedido de liminar, para tentar a imediata suspensão de compra ou desapropriação de terrenos para a reforma agrária.
Dirigentes dos pequenos produtores rurais estimam que entre 40% e 60% dos assentados já deixaram seus terrenos no PA Betinho. Para eles, a falta de financiamento serve como desestímulo, e o agricultor familiar, mesmo sem o título de propriedade da terra, vende os lotes para tentar levantar algum recurso e se muda. As irregularidades constatadas nas áreas de reforma agrária em Bocaiúva também estão sendo apuradas pela Superintendência Regional do Incra em Minas Gerais, que considera a situação do PA Betinho a mais “emblemática” do estado no que se refere a desvios no uso e ocupação de terras destinadas pelo governo federal a pequenos agricultores. Domingo, o superintendente do instituto, Carlos Calazans, viaja para vistoriar pessoalmente a região e tentar reaver as terras.
A abertura de procedimento pelo MPF para investigação da venda ilegal dos foi bem recebida por Rui Rodrigues, presidente da Associação dos Pequenos Produtores da Reta Grande, uma das oito comunidades do PA Betinho. “Há mais de 10 anos estamos numa angústia, aguardando uma providência contra a ocupação irregular dos lotes. Enquanto os terrenos foram parar nas mãos de pessoas que nada têm a ver com a reforma agrária, existem outras que estão acampadas e têm o perfil de produtor rural.”
Carvoaria
O líder comunitário lembra que, além dos lotes ocupados por políticos, existem outros terrenos no assentamento que caíram em nas mãos de outras pessoas com alguma influência, que estão usando as áreas indevidamente. Em um dos lotes, situado na comunidade da Reta Grande, uma carvoaria está em pleno funcionamento. Segundo Rui Rodrigues, o assentado que recebeu o lote – e foi cadastrado pelo Incra – alugou o imóvel para um empreiteiro de uma reflorestadora. Dessa forma, a madeira é retirada de uma área de plantio de eucalipto, de propriedade da empresa, e levada para a carvoeira, dentro do PA Betinho. O líder rural diz que já alertou o beneficiário do lote de que o terreno não poderia ser arrendado. “As terras destinadas à reforma agrária devem ser usadas exclusivamente para a agricultura familiar. Isso consta até no estatuto da nossa associação.”
Além de lotes transformados em fazendas para a criação de gado, sítios de lazer, haras, entre outras finalidade, está sob investigação a compra de parte do terreno por um policial rodoviário federal, lotado na corporação, em Montes Claros. Na área que seria alvo de negociata foi encontrado apenas um homem, que declarou cuidar do lote, mas que o imóvel pertence à irmã do policial, identificada como dona Geralda. De acordo com agricultores da região, o policial vai à área apenas esporadicamente para passar os fins de semana.