Uma entidade suspeita de desvio de dinheiro público e de formação de caixa dois numa disputa eleitoral na Bahia voltou a ser beneficiada pelo governo brasileiro em 2011, apesar de as acusações constarem de um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) concluído há mais de dois anos. A Pangea — Centro de Estudos Socioambientais, sediada em Salvador, já recebeu R$ 554,1 mil de R$ 1,47 milhão previstos em convênio assinado com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O contrato foi assinado em 27 de dezembro de 2011, três semanas depois da demissão do então ministro, Carlos Lupi. Em setembro do mesmo ano, a sede da Pangea recebeu equipamentos de informática doados pela gerência do Banco Central em Salvador.
Cheques depositados em contas diferentes da prevista em contrato e saques suspeitos na boca do caixa reforçam as irregularidades, segundo o relatório da CGU encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU) em abril de 2011. “Os exames realizados indicam que, além dos fortes indícios de desvio de recursos, os objetivos do patrocínio não foram alcançados”, conclui o relatório.
A suspeita de caixa dois para uma campanha petista aparece no pagamento de um cheque de R$ 25 mil a Ademilson Cosme Santos de Souza. O dinheiro era proveniente do contrato com a Petrobras, e Ademilson era o responsável pelo caixa da campanha do PT no município de Vera Cruz (BA). A transação ocorreu em 2004, ano em que o irmão de Ademilson, Magno do PT, concorreu ao cargo de prefeito. “É vedada a essas entidades a participação em campanhas de interesse político-partidário ou eleitorais, sob quaisquer meios ou formas”, reforça a auditoria da CGU.
As suspeitas foram insuficientes para barrar um novo repasse de dinheiro público à Pangea. A assinatura do contrato e a liberação do dinheiro ocorreram a partir de um departamento tradicionalmente petista dentro do MTE: a Secretaria Nacional de Economia Solidária. O convênio foi assinado pelo petista Paul Singer, à frente da secretaria desde 2003.
O dinheiro deve servir para atender catadores de materiais recicláveis que atuam nas ruas e em lixões de nove municípios da região metropolitana de Salvador. Desde a demissão de Carlos Lupi, esse é o sétimo ato do MTE envolvendo uma ONG suspeita, sob a batuta do ministro interino Paulo Roberto dos Santos Pinto. O ministro era secretário executivo e da estrita confiança de Lupi, presidente nacional do PDT.
Suspensão
Diante das suspeitas envolvendo os contratos da Pangea com a Petrobras, o MTE decidiu, como “medida cautelar”, suspender a liberação de parcelas à ONG, mesmo já tendo depositado R$ 554,1 mil na conta da entidade. “A Secretaria de Economia Solidária, para subsidiar suas futuras decisões, realizou consulta à CGU sobre o caso”, informa a assessoria de imprensa do MTE. Segundo o ministério, a Pangea estava em situação regular “nos sistemas regulamentares” no momento da assinatura do convênio.
Os equipamentos de informática recebidos do Banco Central eram considerados “ociosos”, segundo informação da assessoria de imprensa do órgão. A indicação da Pangea para receber os computadores partiu do Ministério do Planejamento, conforme o Banco Central. A diretoria da Pangea sustenta que os equipamentos “podem ser úteis em projetos sociais”. Sobre as irregularidades apontadas pela CGU, a entidade diz ter cumprido todas as metas previstas pela Petrobras. “O projeto foi reconhecido em todo o país.” O dinheiro depositado pelo MTE, segundo a Pangea, ainda não foi gasto.