O governo do Uruguai se prepara para solicitar ao Brasil arquivos sobre uruguaios mortos e desaparecidos no País nos anos da ditadura militar. A revelação foi feita ontem ao jornal O Estado de S. Paulo pelo ministro de Relações Exteriores do Uruguai, Luis Almagro, em Genebra.
À reportagem, a ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, já indicou que o País está disposto a oferecer as informações que serão solicitadas pelos uruguaios. Ontem, na ONU, ela garantiu que haverá “transparência plena” sobre os documentos, mas não disfarçou o mal-estar ao ser questionada sobre a carta enviada por militares criticando sua postura em relação a como tratar o passado.
“Precisamos ir no sentido contrário ao que os países da região fizeram nos anos da ditadura quando criaram a Operação Condor. Agora, precisamos ir no sentido inverso e usar o fato de que somos democracias para contribuir justamente na troca de informações”, disse Almagro.
Segundo o ministro, as investigações em Montevidéu já indicaram o desaparecimento de uruguaios em vários países da região, inclusive no Sul do Brasil. “Vamos fazer um pedido de informações ao Brasil”, disse, sem dar detalhes dos casos.
O chanceler admitiu que já há casos identificados de uruguaios que desapareceram no Paraguai e diz que também vai pedir esclarecimentos. O Uruguai tem sido um dos líderes na busca por informações e abertura de investigações sobre sua ditadura, que durou de 1973 a 1985. O presidente José Mujica, ex-guerrilheiro, conseguiu mudar a legislação para tornar os delitos imprescritíveis.
Maria do Rosário, que ainda não havia sido informada da iniciativa dos uruguaios, não hesitou em colocar os arquivos à disposição. “Estamos trabalhando no âmbito do Mercosul justamente para permitir essa troca de informações”, disse.
Assessores do governo estimam que existam informações sobre casos de uruguaios desaparecidos ou mortos no Sul do País, depois de suas identidades terem sido compartilhadas pelos regimes militares de Montevidéu e Brasília.
Polêmica
Na plenária do Conselho de Direitos Humanos da ONU, a ministra adotou um tom firme de compromisso do governo em lidar com seu passado. “Em seu primeiro ano de governo, a presidente Dilma Rousseff honrou o compromisso fundamental com a democracia e os direitos humanos”, declarou. “Sancionou a lei que cria a Comissão da Verdade e a Lei Geral de Acesso à Informação, estabelecendo condições para a investigação de graves violações perpetradas pelo Estado e a transparência plena de documentos públicos”, disse.
Ao deixar o local, no entanto, a ministra não escondeu como o tema ainda é sensível. Ao ser questionada sobre quais seriam os próximos passos da comissão, foi evasiva. “Eu não tenho essas informações”, disse. “Estamos trabalhando, estamos preparando os caminhos.”
Ao ser questionada sobre a carta enviada neste mês por clubes militares brasileiros que a criticaram por sua posição sobre a Lei da Anistia, a ministra se recusou a dar uma resposta. “Boa noite a todos, boa noite a todos. Eu adoro conversar com vocês. Tchau”, repetia a ministra. Depois de muita insistência e de um certo nervosismo, ela decidiu dar uma resposta. “Pode dizer que a ministra disse que não se pronunciaria sobre a Comissão da Verdade além de seu pronunciamento (na plenária da ONU).”