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Estado de Minas

Nenhum assentamento sem-terra escapa de fraude no Norte de Minas

Incra admite que os 266 projetos de reforma agrária em Minas apresentam irregularidades e promete varredura nos assentamentos para devolver os lotes aos seus verdadeiros donos


postado em 29/02/2012 06:00 / atualizado em 29/02/2012 07:29

(foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press - 8/2/12)
(foto: Beto Magalhães/EM/D.A Press - 8/2/12)


O superintendente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em Minas, Carlos Calazans, admitiu ontem que existem irregularidades – compra e venda de lotes, arrendamento para terceiros e até abandono – em todos os 266 projetos de assentamento no estado. Diante dessa realidade, ele anunciou que vai promover uma verdadeira varredura nas terras da reforma agrária para restituição dos lotes aos verdadeiros beneficiários, os pequenos produtores rurais. A investigação será feita com base em reportagens do Estado de Minas, que mostraram que os terrenos destinados a trabalhadores sem-terra caíram em mãos de pessoas que nunca passaram pelo cadastramento do Incra, incluindo prefeito, vereadores, além de parentes de políticos, comerciantes e até policiais. Por meio da venda irregular, grande parte das terras foi transformada em fazendas de criação de gado ou sítios de lazer.

Carlos Calazans anunciou ainda que pretende formar uma força-tarefa para agilizar o trabalho de regularização dos cessões de terras. Ele diz que já pediu o apoio do Ministério Publico Federal e de juízes das comarcas para acelerar as ações contra os grileiros de terras nos assentamentos. “Infelizmente, existem hoje cerca de 200 processos judiciais contra o Incra, ajuizados por pessoas que ocuparam as terras irregularmente e não querem sair delas. Estimamos que 70% das ações para a reintegração de posse pelo Incra ainda dependem de decisões judiciais”, disse Calazans, que chamou os invasores de áreas nos assentamentos de “picaretas”. Para apurar irregularidades em nove assentamentos no Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, a Procuradoria da República de Uberaba propôs ação civil pública com pedido de liminar em maio do ano passado, mas até agora não há qualquer decisão.

Parcerias

“Não existe um assentamento sequer em Minas Gerais que não tenha irregularidades como a comercialização de lotes”, disse o superintendente do Incra, reafirmando que todos eles serão objeto de investigação do instituto, que já colocou nas ruas a campanha “A reforma agrária não está à venda”. Carlos Calazans também fez o mea culpa, admitindo a responsabilidade do Incra na falência do modelo de distribuição de terra “por não ter garantido uma assistência técnica de qualidade aos assentados”. Agora, ele promete combater o problema por meio da formação de parcerias com a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG) e com outras entidades e organizações não governamentais (ONGs).

Calazans informou que em apenas três meses, desde que assumiu a superintendência, já instaurou mais de 520 processos judiciais para reaver terrenos em assentamentos adquiridos ilegalmente. Ele esclarece, no entanto, que o número de processos pode aumentar, em razão das outras ações que devem ser ajuizadas pornovas irregularidades apontadas pelo EM.

“Existem muitas outras denúncias que ainda serão verificadas pelo órgão, como a venda e a ocupação ilegal de lotes no Projeto de Assentamento Hebert de Souza – PA Betinho, no distrito de Engenheiro Dolabela, em Bocaiúva (Norte de Minas). Hoje à tarde, o superintendente, acompanhado de equipe técnica do Incra, visitará o assentamento. Criado há 13 anos, PA Betinho é a maior área de reforma agrária do Sudeste brasileiro, com 24,6 mil hectares, na qual foram assentadas 736 famílias,em lotes que variam de 14 a 20 hectares cada.

Negociata

Conforme mostrou reportagem do EM, dos beneficiários originais dos terrenos resta pouco mais da metade. De acordo com líderes comunitários do PA Betinho, cerca de 40% a 50% dos lotes foram vendidos ou arrendados irregularmente. Entre os suspeitos da compra ou exploração irregular dos terrenos em Bocaiúva estão o prefeito de Engenheiro Navarro, Sileno Lopes (PP), e os vereadores Júnior da Carne Seca (também de Engenheiro Navarro) e Teu de Souza, de Buenopolis, sendo que o último declarou que existe um lote em nome de sua mulher e que quatro filhos dele também têm terrenos na mesma área. Carlos Calazans revelou que pelos cálculos do próprio Incra existem cerca de 400 lotes no PA Betinho envolvidos em “negociatas”.

Nas áreas retomadas, diz o superintendente, será feito o reassentamento de trabalhadores sem-terra. Para isso, o Incra vai realizar, durante o próximo mês, o mutirão da regularização de terras, vistoriando cada um dos 736 lotes. Um processo que terá a participação do Ministério Público Federal, Policia Militar e outros órgãos. “Será o maior mutirão para a regularização da reforma agrária no Brasil”, garantiu Calazans. Ele disse que já foram ajuizadas 32 ações para a reintegração de posse no Projeto de Assentamento Jacaré Grande, em Janaúba (também no Norte de Minas), por conta de irregularidades na ocupação. Entre aqueles que são citados como réus nas ações pela ocupação ilegal dos lotes está Haroldo Benedito Nunes, irmão do prefeito de Janaúba, José Benedito Nunes (PT). Um outro irmão do prefeito, Amauri Benedito Nunes, é suspeito de ceder terreno para criação de gado de terceiros.

 Das 32 ações do Projeto Jacaré Grande, até agora, em apenas seis houve a reintegração de posse. As demais aguardam decisão judicial. Carlos Calazans informou ainda que as denúncias de venda irregular de lotes em assentamentos em Várzea da Palma, envolvendo um vereador e outras pessoas influentes, também serão verificadas in loco, no dia 4. As denúncias foram feitas pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Várzea da Palma, Antônio Moreira, conforme o EM publicou ontem.

Os absurdos

Denúncias feitas pelo Estado de Minas depois de percorrer assentamentos do Alto Paranaíba, Triângulo e Norte do estado

Uberlândia


Cidade onde foi instalado o primeiro assentamento do Triângulo – região de latifúndios improdutivos –, o Zumbi dos Palmares. O local tem ampla e confortável casa com campo de futebol, ao lado de lotes subutilizados por agricultores familiares, alvos da reforma agrária. Apenas sete dos 22 trabalhadores rurais sem-terra que receberam do Incra o contrato de cessão de uso (CCU) permanecem na área de assentamento (na foto acima, sítio cujo comprador só aparece nos fins de semana).
    
Ibiá


Lotes da reforma agrária abrigam desde igrejas evangélicas, pequenas mercearias, e foram parar nas mãos de taxistas ou de comerciantes da cidade. A negociata frenética dos lotes, desde 1999, faz com que os terrenos dos assentamentos estejam nas mãos dos terceiros compradores, quando deveriam ainda estar em posse dos beneficiados, de acordo com normas da reforma agrária. O comércio dos lotes atraiu até mesmo o jogador de futebol Danilo Gabriel de Andrade, meio-campo do Corinthias.

Bocaiúva


O prefeito de Engenheiro Navarro, Sileno Lopes (PP), é suspeito de explorar terrenos do Projeto de Assentamento Hebert de Souza, o PA Betinho, no distrito de Engenheiro Dolabela, onde cria cabeças de gado. Lopes não está sozinho: os vereadores Júnior da Carne Seca, também de Engenheiro Navarro, e Teu de Souza, de Buenópolis, abocanharam terrenos na área de reforma agrária. Teu de Souza declarou que sua mulher é beneficiária do programa de assentamento e que quatro filhos dele também têm terrenos na mesma área.

Janaúba


No Projeto de Assentamento Jacaré Grande, em Janaúba, no Norte, fazendeiros negociam terras com a ajuda de “laranjas” (uso de terceiros em negócios suspeitos) e ainda avançam sobre recursos do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), destinado a trabalhadores rurais pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário. Dois irmãos do prefeito José Benedito Nunes Neto (PT), Haroldo Benedito Nunes e Amauri Benedito Nunes, estão entre os suspeitos de negociar terrenos, usados até para engorda de gado de terceiros, de acordo com o Incra.

Várzea da Palma


No Projeto de Assentamento Corrente, o vereador da cidade Wemerson Carlos de Azevedo (PHS) é suspeito de explorar ilegalmente terrenos da União, que ficam sob os cuidados de seu irmão. De acordo com presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, Antônio Moreira, ali  a maioria dos terrenos já foi vendida.


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