O salário extra para deputados distritais, derrubado pela Câmara Legislativa na última terça-feira após reportagens do Correio que denunciaram a benesse concedida com dinheiro do contribuinte, é prática comum em ao menos outras sete assembleias legislativas pelo país. A regalia existe em Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Amazonas, Bahia e Goiás. Em alguns casos, assim como ocorria com os distritais, os deputados não declaram os 14º e 15º salários no Imposto de Renda. A justificativa oficial é de que a verba tem caráter indenizatório e, por isso, não é tributável.
No Senado, a situação é semelhante. Os 81 senadores são agraciados, a cada início e fim de ano, com os salários extras. Até o fechamento desta edição, a assessoria de imprensa do Senado não havia respondido se os subsídios repassados são tributados.
Nos estados, um dos casos que mais chama a atenção pela quantidade de benefícios é o da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Além do pagamento do 14º e 15º salários, os parlamentares mineiros recebem verba mensal indenizatória no valor de R$ 20 mil, mais auxílio-moradia e uma parcela correspondente ao valor do subsídio proporcional ao comparecimento do político nas sessões legislativas. Lá, a remuneração extra é tributada.
No Rio de Janeiro, os deputados recebem até dois salários além do 13º. A justificativa é que toda a remuneração deles é baseada, constitucionalmente, na prática da Câmara dos Deputados, descontados 25% do total.
Em Pernambuco, o chamado auxílio-paletó, no valor de R$ 20 mil, continua sendo pago e os deputados nunca declararam a remuneração no Imposto de Renda. A assessoria da Assembleia Legislativa de Pernambuco comunicou que o recurso é considerado indenizatório e, por isso, não caberia tributação. O Supremo Tribunal Federal (STF) deu ganho de causa aos deputados pernambucanos e o benefício continuou a ser pago.
Esse, no entanto, não é o entendimento de órgãos de fiscalização. Em 1997, a Receita Federal entendeu que a prática em questão configura crime de “evasão fiscal” e notificou várias assembleias legislativas. O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel contesta o fato de deputados não tributarem o pagamento extra. “É preciso investigar para saber se existe uma dissimulação. Se eles receberam e incorporaram, é tributável. O fato é que pode existir uma evasão fiscal”, afirmou. A Receita Federal foi procurada na tarde de ontem, mas não se manifestou sobre o tema.
Liminar
Na Assembleia Legislativa de Goiás, por força de uma liminar, o pagamento extra foi suspenso no mês de fevereiro, mas ainda haverá julgamento e os deputados podem voltar a receber a “caixinha”. Lá, existe um consenso sobre a “constitucionalidade” do pagamento extra. Os deputados aguardam a decisão da Justiça, já que consideram não haver “nada irregular”. A justificativa é a mesma usada pelas Casas que recebem o privilégio: se a Câmara dos Deputados faz, então os estados também podem.
Na Bahia, existe o pagamento apenas do 14º, enquanto no Amazonas os deputados chamam os salários extras de “auxílio-paletó”. Na Casa amazonenense, existe um projeto de lei que visa acabar com o benefício mas, por enquanto, permanece em uma gaveta.
Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, critica o benefício e alerta para o fato de o modelo estar sendo reproduzido em diversos rincões do Brasil. “Esse modelo de Brasília se reproduz na maior parte dos estados e dos municípios. É preciso manter uma mobilização para acabar com esse privilégio absurdo. Não tem sentido que esses recursos, fruto de impostos sejam pagos pelo contribuinte”, afirma.
Na esfera federal, somente três deputados dispensavam o recebimento dos salários extras: Antônio Reguffe (PDT-DF), Severino Ninho (PSB-CE) e Carlos Sampaio (PSDB-SP). Diante da repercussão do caso na Câmara Legislativa, a deputada Erika Kokay (PT/DF) decidiu ontem abrir mão do benefício. Ela também apresentou um requerimento pedindo a aprovação do projeto que extingue o pagamento da ajuda de custo aos deputados federais no início e no fim de cada sessão legislativa. “Os parlamentares, seja em âmbito federal, estadual ou municipal, são servidores públicos, apenas com a peculiaridade de serem escolhidos pelo voto direto dos cidadãos. Nesse sentido, não devem receber tratamento diferenciado em relação ao conjunto dos demais servidores públicos”, defendeu.