Enquanto nos Estados Unidos as mídias digitais tornaram-se, desde a campanha presidencial que elegeu Barack Obama, novo paradigma de mobilização dos eleitores, no Brasil prevalece o achincalhe. São ataques à reputação, que podem ser tipificados em crimes de calúnia, de difamação ou de injúria. Sob o anonimato, a estratégia é trabalhar a campanha negativa, a partir da avaliação de que, embora ela não dê, tem potencial para tirar muitos votos. A tendência, que se delineou nas eleições municipais de 2008 e nas eleições presidenciais de 2010, vai se acentuar neste ano: mais as novas mídias vão ser usadas para atacar adversários. A avaliação é de Alexandre Atheniense, advogado e especialista em direito digital, que coordena o curso de propaganda eleitoral na internet na Escola Superior de Advocacia da OAB-SP.
O uso dos recursos da internet pelas campanhas torna-se ainda mais inevitável quando se considera que o Brasil já tem 80 milhões de internautas. Além da ampla penetração e da possibilidade de interação direta entre as campanhas e o eleitor, a regulamentação das eleições deste ano, que será divulgada pelo TSE por meio de instrução até o mês que vem, incorpora as mídias digitais às plataformas tradicionais de campanha, como a televisão e o rádio, disponibilizados aos partidos pelo horário eleitoral.
Segundo Alexandre Atheniense, a instrução que regulamentará a propaganda pela internet vai reiterar o princípio da “livre manifestação do pensamento” pela rede mundial de computadores e a propaganda em blogs, redes sociais, sítios, mensagens instantâneas como pelo Twitter ou SMS com conteúdo gerado ou editado por candidatos, partidos ou qualquer cidadão. “À medida que estamos avançando, estamos tendo flexibilização do uso da mídia digital”, considera o advogado. Segundo ele, no ano passado o TSE reconheceu pela primeira vez a possibilidade de o YouTube ser um canal da propaganda eleitoral, quando analisou a representação da coligação que elegeu Dilma Rousseff contra José Serra, pelo vídeo “2012. O fim está próximo”.
Com mais de 324 mil visualizações de junho até hoje, o vídeo contém ataques a Dilma, de olho nas eleições presidenciais de 2014. O cenário discursivo no vídeo construído para justificar “o fim próximo” anuncia uma “perseguição implacável” que a Receita Federal faria a José Serra, que seria forçado a viajar aos Estados Unidos para um novo exílio político. Na sequência, a peça diz que “Dilma abre guerra contra São Paulo” e, adiante, que ela aprovaria a descriminalização do aborto”. Argumentando ter sido o vídeo postado fora do período eleitoral, o TSE considerou que o assunto não seria de sua competência. O processo foi arquivado.
Excessos
Apesar disso, o vídeo marca, na avaliação do especialista, uma época que ainda não terminou e sinaliza para uma tendência. “A internet é um canal de propaganda inevitavelmente empregado pelas campanhas. Mas há poucos instrumentos para combater os excessos”, diz Atheniense, em referência ao fato de diferentemente dos Estados Unidos, onde as campanhas políticas são bem-sucedidas em propiciar o engajamento e o financiamento, no Brasil a campanha pela internet ser muito mais empregada para paródias ou excessos na liberdade de expressão, mirando a honra dos candidatos.
“Isso acontece porque existe uma falsa sensação de que a tecnologia propicia anonimato e de que esses ataques não terão a autoria revelada”, avalia o advogado. Ledo engano. A cada 10 casos investigados, sete têm a autoria dos conteúdos desnudada. “Os excessos são ainda mais explicados pelo fato de o valor das condenações ser considerado pífio, naqueles casos em que os autores dos ataques são revelados”, afirma Alexandre Atheniense.