Brasília – Um precedente com cifras milionárias divulgado pela Receita Federal acende um sinal de alerta no Senado. O leão já mordeu R$ 135,8 milhões de deputados de oito assembleias legislativas e conselheiros de tribunais de Contas de vários estados que, assim como os senadores, receberam 14º e 15º salários sem pagar Imposto de Renda. Institucionalmente, as casas legislativas e os tribunais de contas que não descontaram o IR na fonte foram multados em R$ 67,9 milhões. Além de pagar os atrasados com juros, cada político foi taxado em 75% do valor da contribuição devida. O cálculo da quantia aplica o percentual de desconto referente ao IR nos rendimentos extras recebidos há até cinco anos. No Senado, se a Receita Federal constatar irregularidades ao término da investigação instalada nas últimas semanas, os políticos, considerando o período retroativo de alcance da cobrança devida, devolveriam juntos aproximadamente R$ 10,8 milhões.
Por ano, em razão da regalia paga com dinheiro do contribuinte, cada senador deixa de pagar R$ 12,94 mil ao fisco. No fim do mandato de oito anos, o parlamentar embolsa R$ 103,58 mil. Os senadores inadimplentes há cinco anos podem ter de pagar ao fisco, com a multa embutida de 75%, R$ 133,5 mil. A Receita Federal comunicou que, em outras cinco assembleias legislativas, as contas ainda estão em aberto. O fisco salientou que, para recuperar o dinheiro, foram instauradas 145 ações fiscais. A Receita Federal ressaltou ainda que não poderia revelar quais assembleias e tribunais de contas foram multados por causa das normas em relação ao sigilo fiscal.
O coordenador-geral de Fiscalização da Receita Federal, Iágaro Jung Martins, informou que, desde 1995, o fisco atua para inibir a não tributação de Imposto de Renda nos dois rendimentos adicionais. De acordo com ele, as assembleias fazem uma interpretação equivocada ao alegar que a natureza dos rendimentos extras é indenizatória.
"A gente analisa a situação, vamos lá, autuamos e tributamos os salários recebidos. As assembleias também são multadas justamente por não ter retido esses impostos na fonte. A verdade é que essas situações são cíclicas. Desde 1995, estamos verificando os problemas." No entendimento do subsecretário de Tributação e Contencioso da Receita Federal, Sandro Serpa, as duas remunerações extras devem ser tributadas. "Esses rendimentos recebidos a título de salários extras não se enquadram no conceito de verba indenizatória do exercício parlamentar."
Ação
A Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) foi a primeira do país a questionar a benesse na Justiça. A entidade entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade para tentar derrubar o pagamento. Atualmente, o processo está na Corte Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco. O presidente da OAB-PE, Henrique Mariano, justificou que o chamado auxílio-paletó tem caráter remuneratório. "A nossa argumentação, que serve para as demais assembleias do país, é técnica. Esses auxílios têm valor idêntico ao salário e com datas préfixadas. Dizer que isso não é salário, é uma afronta. Qualquer pessoa com inteligência mediana percebe isso." Ele acredita que, se o Senado derrubar a regalia, o Brasil inteiro sai ganhando. "Vamos ter um efeito cascata bastante positivo no país."
Na quinta-feira, a Receita Federal notificou o Senado e deu um prazo de 20 dias para a Casa apresentar toda a documentação solicitada referente ao assunto. Na sexta-feira, a assessoria de imprensa da Casa ainda não havia se pronunciado sobre a notificação oficial. No início da semana passada, por meio de nota oficial, o Senado defendeu juridicamente o pagamento das duas parcelas adicionais, chamadas de "ajuda de custo". O documento alegava que a natureza jurídica do benefício é indenizatória e, por isso, não caberia tributação. Na Câmara dos Deputados, os rendimentos adicionais sofrem descontos normais de 27,5%.