Começaram em Viçosa, na Zona da Mata mineira, os preparativos para mais um "apagar de velas" que atinge todos os alunos de pós-graduação do País, especialmente mestrandos e doutorandos. Embora possa sugerir um momento de festa, o gesto articulado pelas associações de pós-graduandos (APG's) traz um significado carregado de ironia e tom crítico, já que a ocasião "celebrada" são os quatro anos sem reajuste nas duas principais bolsas brasileiras de fomento à pesquisa, a do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), acumulando, ao longo desse período, uma perda estimada de 40% em seu valor. O último aumento (foto) foi realizado no dia 06 de junho de 2008, por resolução do então presidente do CNPq, o cientista Marco Antonio Zago.
Leia também: Lei que cria parâmetro para reajuste nas bolsas tramita desde 2003
A mobilização organizada na Zona da Mata foi a primeira de uma série de ações nacionais previstas para os próximos três meses, como forma de pressionar órgãos fomentadores e governo. Elisangela Lizardo, doutoranda em Educação pela PUC-SP e presidente da Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG), conta que existe uma campanha permanente em todo Brasil pelo aumento. "Pedimos um reajuste de 36 a 39%. É preciso lembrar que o pós-graduando já está na fase adulta, tem família, precisa se manter e também ir a congressos internacionais, publicar, comprar livros, o que não consegue fazer com este valor", lembra Lizardo. "Hoje um mestrando recebe uma ajuda menor que dois salários mínimos", exemplifica a doutoranda.
Atualmente, CNPq e CAPES oferecem bolsas para o mestrado e doutorado de R$ 1200 e R$ 1800, respectivamente. O valor é considerado baixo pela ANPG, já que na maioria das vezes a quantia é a única fonte de renda dos pós-graduandos. "É importante lembrar que a bolsa não é um salário, mas ainda assim é uma concorrência desleal com o mercado de trabalho, já que muitos acabam se sentindo mais atraídos pelos valores altos que algumas profissões oferecem no início da carreira", pontua Lizardo.
Uma portaria recente da CAPES e do CNPq permitiu o acúmulo de bolsas com atividades remuneradas, desde que relacionadas à sua área de atuação e de "interesse para sua formação acadêmica, científica e tecnológica". Para receber a complementação financeira ou atuar como docente, o bolsista deve obter autorização, concedida por seu orientador. Apesar de facilitar, a portaria não é o ideal, como pontua a doutoranda em Bioquímica e Imunologia da UFMG, Juliana Barbosa. "Apesar dessa possibilidade, sempre um dos lados vai ficar prejudicado, já que as atividades do doutorado, pelo menos em minha área, exigem muita dedicação", opina.
É preciso ter paixão
A presidente da ANPG lembra que a pós-graduação é uma "opção" e destaca que as bolsas não devem ser encaradas com um salário, mas ressalta: "o ideal é que valorizem (o benefício) o suficiente para as pessoas seguirem na carreira acadêmica e dedicarem um tempo a mais para sua formação".
A "opção" citada por Lizardo foi tomada pela capixaba Suellen dos Santos, de 24 anos, que vive desde 2007 em Viçosa - a 628 km de sua terra natal, São Mateus (ES) - para realizar o sonho de ser pesquisadora. Exemplo de superação na vida pessoal e acadêmica, ela concluiu sua graduação em Gestão de Cooperativas no final do ano passado e, com um projeto sobre políticas habitacionais, sua ponte para o mestrado foi direta.
Bolsista pela CAPES, Suellen dependerá da ajuda do órgão nos próximos dois anos (seis, se seguir no doutorado) para conseguir viver na cidade. Enquanto o primeiro benefício não chega, ela já sente as diferenças da vida de pós-graduando. "Precisei sair do alojamento da graduação, que era gratuito, e agora pago aluguel em uma república. E tem outros gastos como xerox, livros, congressos", conta Suellen, que dedica cerca de 15 horas de seu dia à universidade e aos estudos.
Apesar do aperto, a mestranda mantém discurso alinhado com o de Elisangela e lembra que quem gosta da vida acadêmica, precisa se adaptar. "Ainda que tenhamos uma paixão, ficamos limitados na hora de fazer tudo que temos interesse, afinal, é lógico que a questão financeira é um fator limitante, mas quem deseja seguir este caminho precisa se adequar à situação", lembra.
Tom de esperança
Apesar de manter a postura crítica e seguir com a campanha pelo reajuste, a presidente da ANPG mostra um tom mais otimista em relação à possibilidade de um aumento ainda este ano. "As respostas até então eram sempre muito desesperançosas no governo Dilma, mas depois de uma série de conversas, as agências (CNPq e CAPES) têm mostrado uma sensibilidade maior", comenta Lizardo, que participou de uma reunião com a presidenta Dilma Rousseff no final do último ano e luta pela realização de uma audiência pública sobre o assunto ainda em março.
Procurados para comentar as negociações sobre o reajuste das bolsas, os presidentes do CNPq e da CAPES estavam em compromissos no exterior e não retornaram até o fechamento desta reportagem.
Análise da notícia
Mais do que a boa vontade e disposição demonstradas pela CAPES e pelo CNPq (e confirmadas pela presidente da ANPG) para discutir o assunto, é necessária a definição mais precisa dos ministérios da Ciência e Tecnologia e da Educação – em conjunto com Casa Civil e Planejamento – de uma política específica para o reajuste das bolsas. É fato que o investimento aumentou e o número de benefícios oferecidos também, como demonstram dados do Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG). No entanto, para titular mais doutores, como o próprio PNPG idealiza, é necessário se pensar a condição mínima para esta formação, lembrando a tênue relação 'quantidade de bolsas oferecidas' x 'condições básicas para a pesquisa acadêmica'. Ou, em outras palavras, como o próprio texto do PNPG traz em seu segundo volume, na página 295, verificar se o "volume de recursos é suficiente para manter o setor funcionando com um mínimo de qualidade". (EC)