O fim do 14º e do 15º salários pagos a senadores e deputados federais começa a ser votado hoje na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE). O projeto da então senadora e atual chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, que prevê a extinção da mordomia, repousava há mais de um ano na gaveta do Senado. Só saiu da fila após denúncias do Correio que apontaram o recebimento dos extras pelos senadores sem pagarem um centavo de Imposto de Renda. O passo de tartaruga é ritmo usual quando se trata de cortar regalias históricas. Taxado como “tema polêmico”, eufemismo que indica freio de mão puxado no Congresso Nacional, a matéria foi desengavetada e colocada como prioridade na votação de hoje, justamente um dia depois de a Receita Federal anunciar instauração de processo investigatório. Pela pauta oficial, será o quarto tema a ser debatido e votado abertamente pelos 27 senadores que integram a CAE.
O caminho é longo. Se o projeto for aprovado hoje, a papelada ainda segue para a Mesa Diretora. De lá, após análise, será encaminhado para votação em plenário. O presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Delcídio Amaral (PT-MS) aponta que a matéria pode ser votada em, aproximadamente, um mês. Como prevê o fim da benesse nas duas Casas, o assunto precisa ir também ao plenário da Câmara dos Deputados. Delcídio nega que tenha recebido qualquer tipo de pressão para engavatar a matéria. A justificativa oficial é de que há um acúmulo histórico de projetos e que é preciso respeitar o cronograma. O projeto prevê que os deputados e senadores recebam apenas duas ajudas de custo durante todo o mandato, uma no início e outra no fim. Hoje, os dois salários extras são pagos anualmente. Nos oito anos de mandato, o custo com o pagamento dos extras no Senado é de R$ 34,6 milhões. A Câmara dos Deputados gasta, em quatro anos, R$ 109,6 milhões.
O fundador da organização não governamental Contas Abertas, Gil Castello Branco, afirma que os parlamentares são especialistas em legislar em causa própria. Ele lembra que há mais de 100 projetos de combate à corrupção engavetados nas duas Casas. Alguns apodrecem há mais de 15 anos. “O segredo é a pressão da sociedade. Alguns parlamentares são movidos pela índole, mas outros se movimentam por temor, pela pressão nos seus estados de origem. A sociedade civil tem mais poder do que ela imagina. A saída é essa.” Para ele, se o Congresso Nacional realmente derrubar o 14º e o 15º salários, a atitude representa um marco. “O desafio é grande, será um marco. Vai ficar claro que a sociedade civil pode e tem força para levantar bandeiras específicas.”
Lentidão
Há projetos engavetados há décadas no Congresso Nacional. Passam por todas as comissões, mas morrem na praia na hora de ir à votação. O fim do voto secreto, por exemplo, foi apresentado ainda na Assembleia Constituinte de 1988. Em 2006, o senador Paulo Paim (PT-RS) insistiu no assunto e apresentou a PEC 50, que prevê o voto aberto para toda e qualquer situação. “Conversei com muita gente e alegam sempre que o tema é polêmico”, resume o método utilizado pelos parlamentares.
A benesse do foro privilegiado para autoridades do Executivo, Legislativo e Judiciário é intocável. Em 2007, a PEC 130, apresentada na Câmara dos Deputados, pretendia acabar com o privilégio para julgamento de crimes comuns cometidos por representantes dos três poderes. No início do mês, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) apresentou, no Senado Federal, proposta semelhante.
Em 2009, outro assunto polêmico chegou a tramitar nas comissões do Senado. A PLS nº 99/2009, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que determina a inclusão automática de todas as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes com mandato eletivo na “malha fina”. O projeto, após ser aprovado, em 2010, na Comissão de Costituição e Justiça (CCJ), ainda aguarda inclusão na pauta.