Bem no Centro de BH, no sexto andar de um prédio na esquina das ruas Curitiba e Carijós, onde o comércio de lojas de eletrodomésticos parece mais um formigueiro, com consumidores ávidos por promoções, um grupo de dez septuagenários se encontra todo mês para conversar sobre um tema quase esquecido nos dias de hoje: o comunismo. O regime postulado pelo alemão Karl Marx no século 19 está fora de moda desde a década de 1990, mas encontra seguidores apaixonados na capital. Hoje, ao completar 90 anos de existência, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) luta para retomar sua posição e, se já não espera mais por uma luta armada, mantém a defesa de uma participação popular cada vez maior no país.
O militante começou sua trajetória política no final da década de 1950, durante uma greve na fábrica de tecido em que trabalhava e desde então passou a participar ativamente das mobilizações sindicais. “O primeiro contato foi durante um período de muita dificuldade, depois de três meses de salários atrasados e sem perspectivas para os trabalhadores. Não tinha qualquer intenção de me juntar aos organizadores e nem podia, já que era um partido clandestino. Mas foi só começar o movimento, com intensa solidariedade entre os trabalhadores nas portas das fábricas, que percebi que não dava para cuidar só da minha vida. Para conquistar as coisas, era preciso pensar no coletivo”, explica Francisco.
Durante a ditadura, atuando como um dos líderes dos comunistas em BH, Francisco viveu na pele a intolerância contra sua ideologia e passou três anos na cadeia, acusado de conspiração contra o país por disseminar ideias revolucionárias. “Recebemos a notícia ainda em 31 de março, dos militantes lá do Rio, avisando que por lá já começavam as prisões. Foram vários anos de clandestinidade, tentando organizar um movimento contra o regime militar. Com a consolidação do golpe não conseguimos apoio de ninguém, sendo considerados corruptos e maldosos. Falavam até que os comunistas queriam acabar com as famílias”, lembra o secretário-geral.
Ainda a União Soviética “Hoje, já não é mais possível falar em apenas um partido comunista no Brasil. São vários que reclamam esse título. Alguns deles se prendem às tradições revolucionárias da União Soviética de 1917, outros procuraram se adaptar à situação atual, tentando se adequar aos novos tempos”, explica Rodrigo Pato, do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). No entanto, apesar da pouca representatividade no Parlamento nacional e sem muito destaque nos movimentos sociais nos últimos anos, o historiador reforça que o regime não pode ser considerado vencido.
“Não é possível falar em superação ou fim do comunismo, mesmo sendo uma ideologia derrotada no momento, uma vez que nos países onde os partidos chegaram ao poder, como China e Cuba por exemplo, estamos vendo mudanças de atitude dos governos em busca de uma adaptação de seus regimes, principalmente na área econômica. Ainda assim, as coisas mudam muito”, diz Pato.
Para o presidente nacional do PCdoB, Renato Rabelo, o partido mantém na pauta de discussões alguns temas fundamentais para o país. “O comunista hoje luta por uma sociedade mais responsável e justa. Ao cabo desses 90 anos, a maior expressão do comunismo é representada pelo PCdoB, que consegue manter essa bandeira representada com força representativa”, alega.
Sobre a crítica que sua corrente recebe por ter se unido a partidos que antes eram duramente combatidos, o presidente ressalta que foi a forma encontrada pelos integrantes para conseguir colocar em práticas as posições defendidas. “Criticar um grupo por participar do governo é o mesmo do que escolher ficar fora do curso da história. Hoje o PCB se tornou um grupo pequeno, que não consegue influir ou intervir diretamente nas decisões nacionais”, critica Rabelo.
Três perguntas para...
Anita Leocádia Prestes,
Filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário Prestes – principais personagens do PCB
Como você avalia a atuação dos partidos comunistas no Brasil hoje?
Percebo que os partidos comunistas se transformam cada vez mais, em sua grande maioria, em legendas reformistas que abandonaram a luta revolucionária. Temos o PCdoB, que tem maior representatividade mas se tornou um partido governista que só se preocupa com cargos e posições de destaque no governo, deixando de lado as verdadeiras lutas ideológicas. Eles apoiaram até mesmo medidas horríveis do Código Florestal. Temos também o PCB, que faz um certo esforço para se transformar em partido revolucionário, com uma tentativa de reconstruir a legenda, mas somente a prática vai demonstrar se eles seguirão as raízes ideológicas. Torço pelo seu sucesso nos próximos anos, já que temas importantes são levantados pela sociedade.
Como foi a atuação do partido ao longo dos anos e por que foi se modificando com o tempo?
A organização inicial da legenda se deu com o objetivo de fazer uma verdadeira revolução no país. A intenção era mudar os regimes que priorizavam a mesma classe dominante ao longo dos anos. Esse grupo entendia que o ideal seria a conquista do poder político pelas forças revolucionárias, que colocaria em prática verdadeiras reformas sociais e que prepararia as condições para a passagem ao comunismo. No entanto, na prática, o movimento não obteve sucesso e muitas propostas foram se perdendo com o tempo. Ainda em 1979, eu e meu pai deixamos o PCB exatamente por não perceber a continuidade da luta para pôr em prática nossas posições.
Com o fim da União Soviética e as dificuldades enfrentadas por países que adotaram o comunismo, a ideologia perdeu força. O que esperar dos partidos comunistas?
O desmembramento da União Soviética foi sem dúvida uma grande derrota para os grupos comunistas no mundo inteiro e muitos deixaram a luta de lado, buscando outros caminhos. Mas enquanto existirem contradições e falhas no sistema capitalista, com problemas que refletem em questões sociais muito graves, sempre existirão aquelas pessoas que buscam alternativas e defendem mudanças, sejam elas como forem.