Jornal Estado de Minas

OEA vai investigar caso Herzog

Renata Mariz

No momento em que o país discute a Lei da Anistia e às vésperas de ser formada a Comissão da Verdade, que vai investigar os crimes cometidos por militares na ditadura, o caso do jornalista Vladimir Herzog, que apareceu morto em 1975, depois de ser detido por agentes do DOI-Codi de São Paulo, chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Ligada à Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede em Washington (EUA), a Comissão Interamericana abriu processo contra o Brasil para investigar a omissão do país na apuração da morte de Herzog, apresentada pelas autoridades da época como suicídio, embora com sinais claros de assassinato.

A Secretaria de Direitos Humanos foi comunicada ontem do processo aberto pela Comissão Interamericana e encaminhou cópia para apreciação da Advocacia Geral da União (AGU). O governo brasileiro tem 60 dias para se manifestar. Se a defesa apresentada não for suficiente, o caso pode ser remetido à Corte Interamericana de Direitos Humanos, também da OEA. A diferença é que, enquanto a comissão estabelece recomendações, a Corte sentencia os países que se sentam no banco dos réus. O constrangimento internacional  é maior nessa segunda instância.

Encaminhada à Comissão Interamericana pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil), a denúncia que culminou na abertura do processo apresentou um histórico de omissões por parte do Brasil. O texto destacou que a investigação oficial foi realizada por meio de inquérito militar, concluindo pela ocorrência de suicídio. Em 1992, o Ministério Público de São Paulo chegou a requisitar a abertura de inquérito policial para apurar as circunstâncias da morte do jornalista, mas o Judiciário considerou que a Lei de Anistia impede as investigações. Em 2008, houve mais uma tentativa de iniciar o processo, arquivado sob o argumento de que os crimes a serem apurados já haviam prescrito.

“O que se quer, nessa ação, é apurar a responsabilidade do Brasil em não ter investigado e punido os assassinos de Herzog, e não a morte do jornalista em si”, afirma Luc Athayde, assistente jurídico do Cejil. Ele considera que a abertura do processo neste momento é “um recado ao Supremo Tribunal Federal, que tem a Lei da Anistia para julgar”.

A última condenação sofrida pelo Brasil na Corte Interamericana, aonde o processo de Herzog pode chegar, foi o caso da Guerrilha do Araguaia. Na sentença, que completou um ano em dezembro, o organismo determinou que o país faça a investigação penal e puna os responsáveis por detenções arbitrárias, tortura e desaparecimento de cerca de 70 pessoas, entre 1972 e 1975, entre integrantes do Partido Comunista do Brasil e camponeses. A última tentativa nesse sentido se deu recentemente, quando o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Sebastião Curió, comandante da operação, mas a Justiça não aceitou, alegando desacordo com a Lei da Anistia.

Memória

Versão oficial contestada

- Foto: Reprodução/AE
Em 25 de outubro de 1975, o diretor de jornalismo da TV Cultura em São Paulo, Vladimir Herzog, que havia sido preso por agentes da ditadura militar que vigorava no Brasil, morreu. A versão oficial foi suicídio. Os militares divulgaram uma foto do jornalista enforcado, como forma de dissipar a desconfiança que já se apresentava. Mas a famosa foto alimentou polêmicas. A posição do corpo fortaleceu a tese de que o jornalista havia sido torturado e morto pelos militares. Ele não aparecia pendurado, mas com os joelhos dobrados no chão. A ausência na imagem da parte superior da cela dificultava a compreensão de como ele tinha se amarrado. Casado com Clarice Herzog e pai de dois filhos, o jornalista tornou-se um símbolo da luta contra a ditadura. A família dele nunca deixou de lutar por uma retratação pública do Estado brasileiro.