Pelo menos 13 padres já são pré-candidatos este ano a prefeito ou vereador de municípios mineiros
Apesar das restrições impostas pela Igreja, cinco disputam um segundo mandato
Mesmo que a Igreja Católica diga não à militância política de seus sacerdotes, o número de padres candidatos às eleições municipais não para de crescer. Pelo menos 13 padres são pré-candidatos a enfrentar as urnas neste ano para administrar cidades do interior ou conquistar uma cadeira no Legislativo municipal, segundo levantamento do Partido dos Trabalhadores (PT). Hoje, 10 sacerdotes estão à frente da gestão de municípios do interior do estado. Quatro deles e um vereador tentam a reeleição. Cinco não podem se candidatar a prefeito por já estarem no segundo mandato. Apenas um deixa a política sem se arriscar na disputa por uma nova temporada porque prevaleceu a vocação ao sacerdócio. Para encarar os embates políticos com o eleitorado e a própria Igreja, os sacerdotes criaram o Grupo Mineiro de Padres Políticos, que promove seu 12º encontro em 11 de junho, na capital. A Cúria Metropolitana de Belo Horizonte criou também o seu núcleo de política, não para padres, mas para cristãos leigos.
Não faltam nem vocação política nem coragem aos padres para enfrentar problemas como os conflitos de terra de Unaí, no Noroeste de Minas, que se tornou internacionalmente conhecida depois de ser palco do assassinato de três fiscais e um servidor do Ministério do Trabalho, em janeiro de 2004, supostamente a mando de grandes produtores rurais. O padre Simão é pré-candidato à sucessão do prefeito Antério Mânica, acusado de ser o mandante da chacina, ainda impune, e há oito anos à frente da administração municipal. A candidatura do padre atende a pedido de agricultores familiares. Pré-candidato pelo PT, padre Simão vai enfrentar o mesmo embate entre petistas e tucanos que marca o cenário nacional: seu adversário será José Gomes Brandinho (PSDB), apoiado por Mânica.
Com 14 anos de sacerdócio, padre Simão, ou melhor, Geraldo Siminides de Oliveira, seu “nome de pia” – expressão usada por João Cabral de Melo Neto em Morte e vida severina e que o político adotou –, admite que o clima já está tenso mesmo antes do lançamento oficial das candidaturas. “Hoje já estamos como gato e rato que têm a disputa pela terra prometida como pano de fundo.” Padre Simão diz que estar ligado à Igreja funciona como uma “mola propulsora ”, mas que a militância é fundamental para que as ideias passem do terreno do sacerdócio para o da política. Ele vê com naturalidade o veto da Igreja Católica às candidaturas, mas defende a liberdade de cada um para tomar suas decisões e aposta no diálogo com os bispos como melhor caminho para evitar problemas com a instituição. Para explicar a decisão de candidatar-se, ele cita madre Tereza de Calcutá: “Se me chamarem para lutar contra a guerra, eu me recuso. Mas, se me chamarem para promover a paz, estou dentro”.
oposto Em sentido inverso ao que começa a ser trilhado pelo colega, o padre João do Carmo Macedo, prefeito de Acaiaca, cidade de 4,2 mil habitantes na Zona da Mata, só pensa em retomar sua vida de sacerdócio. Mesmo com o alto índice de aprovação obtido por sua administração e a insistência dos aliados para que tente a reeleição, ele diz não às urnas este ano. “Aconselho a todos os padres que percebam em si a vocação política a viver essa rica experiência, mas é sempre preciso saber a hora de entrar e sair”, prega. Esta é a segunda vez que padre João administra a cidade. A primeira foi de 2001 a 2004, quando tentou a reeleição, sem sucesso. Ele voltou à prefeitura em 2008, mas diz que aos 53 anos sente necessidade de retomar o sacerdócio, sua primeira vocação, embora critique duramente o veto da Igreja Católica às candidaturas: “Nos resta saber o que a Igreja vê com bons olhos. Ela mais proíbe que aprova e hoje vive voltada apenas para o interior da sacristia”, afirma.
Padre Mazinho, pré-candidato do PT à Prefeitura de Santa Cruz de Salinas, Norte de Minas, considera um equívoco dizer que a Igreja seja absolutamente contrária à militância política de seus sacerdotes. “O que a Igreja deseja é que os cristãos leigos sejam estimulados a vivenciar o mundo da política, mas diante da falta de lideranças e da corrupção é possível aceitar uma exceção e permitir que os sacerdotes disputem eleições”, argumenta. O padre diz ainda que é preciso considerar a realidade de cada comunidade no momento de tomar a decisão, especialmente nas que sofrem com uma administração incapaz de atender às suas necessidades. Professor de filosofia política, ele está em Acaiaca há cinco anos e no sacerdócio há 13. “É minha primeira vocação, mas a política me dá uma visão mais crítica”, diz.
mudança Na caminhada política, no entanto, alguns terminam por abandonar a batina e se entregar de corpo e alma à política. O vereador Claudinei Dias da Silva (PT), de Sete Lagoas, exerceu o sacerdócio por sete anos e meio, mas em 2005 abandonou a batina e se casou. Hoje, ele é candidato à reeleição para a Câmara e defende a tese de que a Igreja deve se abrir ao diálogo para derrubar o preconceito em relação à atuação política dos padres.
Incentivo à militância dos fiéis
Para enfrentar a candidatura de padres mesmo diante do veto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Cúria Metropolitana de Belo Horizonte criou em 2005 o Grupo Gestor de Estudos Sociopolíticos, em parceria com a PUC Minas. De acordo com seu coordenador, professor Robson Sávio Reis Souza, o objetivo é motivar cristãos leigos a assumir a militância política, especialmente em ano eleitoral. “A intenção é motivar o cidadão a discutir em sua paróquia nomes para participar da disputa. Não adianta ficar condenando o modelo político do país sem fazermos uma intervenção de qualidade”, explica.
De acordo com a CNBB, a participação dos padres na política é vedada pelo Código de Direito Canônico, que diz que “os cléricos são proibidos de assumir cargos públicos que implicarem participação no poder civil”. O próprio código, entretanto, abre uma exceção à regra, ao dizer que esses cargos podem ser assumidos “a juízo da competente autoridade eclesiástica, (sempre que) o exijam a defesa dos direitos da Igreja ou a defesa do bem comum. Para o padre Geraldo Martins, assessor de política da CNBB, isso equivale a dizer que a decisão de permitir a participação dos padres nas eleições fica a cargo de cada bispo. “Existe uma orientação geral da Igreja Católica, mas a CNBB não interfere diretamente nas decisões”, explica.
Segundo o texto Eleições 2002: propostas para reflexão, a razão do veto está explicada no documento de Puebla: “Os pastores, uma vez que devem preocupar-se com a unidade, se despojarão de toda ideologia político-partidária que possa condicionar seus critérios e atitudes. Terão assim liberdade para evangelizar o político como Cristo, a partir de um Evangelho sem partidarismo ou ideologizações”. Mesmo diante do veto, o Grupo Mineiro de Padres Políticos marcou, após encontro em fevereiro, sua posição quanto às eleições da capital. Em uma carta à sociedade o grupo manifestou a defesa da tese de lançamento de candidatura independente do PT à Prefeitura de Belo Horizonte.