A forte influência no Congresso Nacional, principalmente por meio do senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), fez o bicheiro Carlinhos Cachoeira preparar a instalação de mais um ramo da jogatina no Brasil. A degravação das conversas telefônicas para a Operação Vegas, que antecedeu a Monte Carlo e também investigou os negócios ilícitos do bicheiro, revelou a existência de um barco-cassino em Miami (EUA), comprado e operado por Cachoeira.
Os diálogos gravados em 2009 pela Polícia Federal (PF) mostram que o empresário, detido há mais de um mês no presídio de segurança máxima de Mossoró (RN), pretendia comprar um segundo barco-cassino e operá-lo no Brasil, a partir da legalização de jogos de azar pelo Congresso. Um parente de Cachoeira confirmou ao Estado de Minas a existência do barco-cassino em Miami, de propriedade do bicheiro.
A exploração de jogos de azar no Brasil é uma contravenção penal, uma atividade ilícita, em terra ou no mar. A proibição vale para todo o território nacional e só são permitidas apostas em corridas de cavalo e nas loterias oficiais. Os diálogos usados na Operação Vegas apontaram intensas conversas entre Cachoeira e Demóstenes, inclusive com trocas de informações sobre projetos de lei no Congresso que poderiam beneficiar os negócios do bicheiro.
Numa das conversas mais rumorosas divulgadas até agora, gravada em 22 de abril de 2009, Cachoeira pede que Demóstenes dê uma “olhada” no Projeto de Lei 7.228, de 2002. O senador se informa sobre o projeto e diz ao bicheiro que a proposta não regulamenta as loterias estaduais. “Inclusive, te pega”, diz Demóstenes na gravação. O bicheiro faz, então, ressalvas sobre alíneas que regularizariam a jogatina.
Em outras conversas – no total foram 298 entre fevereiro e agosto de 2011–, Cachoeira teria obtido garantias de Demóstenes de que a exploração de jogos de azar seria aprovada no Congresso, o que motivou novos empreendimentos pelo bicheiro. Policiais federais que participaram da Operação Vegas conseguiram fotos do barco-cassino comprado por Cachoeira e, pelos diálogos telefônicos usados na investigação, constataram que outra embarcação seria adquirida. Uma delas seria levada para o Rio de Janeiro, onde operaria em caso de legalização dos jogos de azar.
Gabinete do prefeito As cartadas de Cachoeira nos negócios de jogatina passaram também pelo gabinete do prefeito de Águas Lindas de Goiás, Geraldo Messias (PP). A cidade no entorno do Distrito Federal era considerada uma das mais rentáveis na exploração de máquinas caça-níqueis e casas de bingo. Para os negócios prosperarem, Cachoeira contava com o apoio de Geraldo Messias, segundo as investigações da PF.
O inquérito que embasou a Operação Monte Carlo já revelou ligações telefônicas entre o bicheiro e o delegado da PF de Anápolis (GO) Fernando Byron Filho, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) como participante da quadrilha. Nos diálogos, Cachoeira pede que o delegado não indicie o prefeito nas investigações que resultaram na Operação Apate, deflagrada pela PF, em conjunto com a Receita Federal, em 13 de maio de 2011. A conversa telefônica em questão é de 27 de abril do mesmo ano.
O que se sabe, agora, é que essa não foi a única intervenção do bicheiro em prol do prefeito, no que diz respeito à Operação Apate. Em 10 de maio de 2011, três dias antes da operação, Geraldo Messias recebeu Cachoeira em seu gabinete. “Cachoeira o informou pessoalmente sobre a operação”, cita a investigação da PF. As investigações que resultaram na Operação Apate detectaram fraudes de R$ 200 milhões em diversas prefeituras, entre elas a de Águas Lindas. No dia da operação, Geraldo Messias não estava na cidade. O Estado de Minas tentou ouvir o prefeito sobre o fato de ter recebido Cachoeira na prefeitura, mas ele não deu retorno às ligações.
DEFESA DO GRAMPO
O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, saiu em defesa ontem das investigações conduzidas pela Polícia Federal contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Segundo ele, a PF cumpriu “rigorosamente o seu papel” ao longo da Operação Monte Carlo. Também defendendo a lisura dos grampos telefônicos que flagraram conversas entre Carlinhos e o senador Demóstenes Torres, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, contestou as declarações dos advogados do parlamentar, de que as investigações foram ilegais. “O alvo, com autorização judicial, era o Cachoeira, mas o que acontecia é que o senador ligava com frequência para ele. Por isso, há muitos áudios com o parlamentar”, disse.