Jornal Estado de Minas

Relatório do Tribunal de Contas da União aponta o sucateamento do DNPM

Resultado é evasão de tributo que compensaria efeitos da exploração mineral

Alessandra Mello

Mineração em São Thomé das Letras: arrecadação quase nula na maior produtora de quartzito do país - Foto: Michelin/Estado de Minas - 14/02/2007

O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) completa 78 anos de criação sucateado. A autarquia, criada em 8 de março de 1934, não tem funcionários suficientes nem mapas ou imagens atualizadas dos locais que precisam ser vistoriados. Também não possui veículos, aparelhos de GPS ou equipamentos de proteção individual. Faltam até mesmo coletes e identidades funcionais. Muitas vezes, os funcionários são obrigados a usar materiais cedidos pelas empresas mineradoras que serão fiscalizadas, o que põe em risco o resultado das fiscalizações.

Um dos mais prejudicados com essa situação é Minas Gerais, maior produtor de minérios do Brasil. Tanto que o estado ganhou um capítulo à parte na auditoria operacional feita pelo Tribunal de Contas da União no DNPM. A deficiência na estrutura do órgão contribui para a sonegação de impostos devidos aos estados e municípios produtores, já que a fiscalização do recolhimento da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM) é atribuição da autarquia. De acordo com a Lei 8.876/1994, cabe ao DNPM verificar os Relatórios Anuais de Lavra (RAL) e conferir nas unidades produtivas (minas) as informações apresentadas. Segundo o TCU, entretanto, essa fiscalização in loco está longe de ser uma rotina em Minas Gerais. “A Superintendência de Minas Gerais realiza apenas a análise dos dados econômicos dos RALs apresentados, raramente realizando vistorias para a validação das informações”, diz o relatório.

De acordo com o TCU, o DNPM/MG fez 28 vistorias para acompanhamento de lavras regulares em produção em 2010, em um universo de quase 3.800 títulos. No ano anterior, foram 38 fiscalizações. “Caso se considere que o quantitativo médio de vistorias realizadas nos últimos dois anos pela superintendência mineira se mantenha, que o número de unidades produtivas permaneça constante (diferentemente do aumento esperado) e que haja um rodízio entre as fiscalizações, conclui-se que cada empreendimento mineiro no estado de Minas Gerais será vistoriado pelo DNPM, em média, de 114 em 114 anos”, afirma o documento.

A auditoria do TCU foi feita a pedido do promotor de Justiça de Minas Gerais e secretário-geral da Associação Brasileira do Ministério Público de Meio Ambiente, Marcos Paulo de Souza Miranda. Segundo ele, um dos principais objetivos da CFEM é compensar o poder público e a sociedade pelos impactos negativos causados pela mineração ao meio ambiente, ao patrimônio cultural e ao ordenamento urbanístico, além de permitir a diversificação econômica dos municípios mineradores. Por isso, ele considera a sonegação da contribuição extremamente prejudicial para Minas Gerais. A arrecadação da CFEM no país foi de R$ 742 milhões em 2010. Minas teve direito a 48% desse valor, na frente de Pará (28%), Goiás (5%), São Paulo (4%), Bahia (2,7%), Mato Grosso do Sul (1,8%), Sergipe (1,7%) e outros (8,8%).

O TCU afirma que as vistorias para o combate à extração mineral irregular são feitas apenas quando há pedidos. “Tais fiscalizações são sempre decorrentes de demandas externas (denúncias, requisições do Ministério Público etc.). Assim, no tocante à atividade mineral não autorizada, o DNPM/MG vem atuando mais como órgão auxiliar na defesa do patrimônio mineral do que como o principal responsável por essa atividade”, diz o relatório.

`Para o tribunal, falta também eficiência no combate à clandestinidade, o que tem como consequência a redução da arrecadação da CFEM e de outros tributos e a criação de um mercado de trabalho informal. “O DNPM deve atuar de forma mais efetiva nessa questão, até porque enseja a ocorrência do crime de usurpação de um bem da União”, diz um trecho do relatório assinado pelos ministros Benjamin Zymler e Raimundo Carreiro e pelo procurador-geral do TCU, Lucas Rocha Furtado. O diretor do DNPM em Minas, Celso Luiz Garcia, não retornou os pedidos de entrevista da reportagem. feitos por telefone e via e-mail.

OS PROBLEMAS DO DNPM

Fragilidades encontrados pelo TCU na autarquia em Minas Gerais

A entidade não dispõe de mapas ou imagens de alta resolução atualizadas com os acessos às coordenadas geográficas a serem vistoriadas

O DNPM não realiza o acompanhamento dos trabalhos de pesquisa, mas apenas a análise dos relatórios finais apresentados. Da mesma forma, a vistoria de lavras em produção no estado é irrelevante diante do número de empreendimentos mineiros

Além de toda carga de serviço da qual é incumbida, deve ser ressaltado que a superintendência mineira tem um grande passivo processual pendente de análise. São 3.588 relatórios finais de pesquisa, 592 pedidos de guia de utilização e 118 denúncias a serem apuradas

Não realização sistemática de vistorias em áreas urbanas ou com histórico de alto risco de acidentes trabalhistas ou ambientais

O órgão possui unidades importantes que apresentam grave carência de recursos humanos, materiais e de tecnologia da informação, o que dificulta o cumprimento de sua finalidade institucional. Tal situação mostrou-se mais agravada na Superintendência de Minas Gerais, a qual responde por quase metade da produção mineral brasileira

Município vira retrato das falhas

O promotor do Patrimônio Histórico e do Meio Ambiente, Marcos Paulo de Souza Miranda, foi quem provocou, ano passado, a primeira auditoria do TCU no DNMP de Minas Gerais. Concluído em novembro, o estudo apontou tantos problemas que foi ampliado e englobou outros estados da Federação. Segundo ele, o MP desconfiou da existência de problemas graves na atuação do DNPM, baseado no caso de São Thomé das Letras, na Região Sul do estado. A cidade, segundo ele, é a maior produtora de quartzito do Brasil, mas sua arrecadação de royalties pela exploração dessa pedra é quase nula. Segundo ele, uma investigação do Ministério Público apontou que cerca de 50% dos empreendimentos minerários da cidade são irregulares.

“O caso de São Thomé é um pequeno retrato do que acontece em toda Minas Gerais, da sonegação da CFEM e do ICMS, impostos que deveriam ser usados na recuperação do meio ambiente degradado pela exploração e para a diversificação das atividades produtoras da cidade”, diz. Ele lembra que a cidade recebe um grande fluxo de trabalhadores, que gera uma demanda por saúde, educação e outros serviços básicos, mas não tem como suprir essas necessidades por falta de recursos.

Para o promotor, se houvesse uma fiscalização eficiente da exploração de minérios por parte do DNPM, o estado poderia ter muito mais recursos para investir em melhorias para a população. “O que estamos perdendo em arrecadação poderia mudar a cara de Minas Gerais”. Entretanto, o promotor assinala que “a culpa” pela evasão fiscal não pode ser jogada toda nas costas do departamento. Saídas previstas na legislação, como a permissão para que estados e municípios façam convênios com o DNPM e fiscalizem a produção mineral não são utilizadas. “Sabe quantos convênios desses há em Minas Gerais? Nenhum”, assinala. Miranda também questiona o fato de até hoje não terem sido regulamentados os artigos da Constituição mineira que tornam obrigatório o investimento de parte dos royalties da mineração em meio ambiente e proteção do patrimônio histórico. “E nossa Constituição é de 1989”, lembra.

O governo federal promete, desde 2008, enviar ao Congresso Nacional o projeto do novo marco regulatório da mineração e a proposta de transformar o DNPM em agência reguladora, com mais recursos e autonomia. No ano passado, o deputado federal Paulo Abi-Ackel (PSDB), da Comissão de Minas e Energia da Câmara, apresentou um requerimento pedindo pressa ao governo no envio desses projetos. A promessa era de que eles chegariam ao Congresso em fevereiro. “Em 2008, esse projeto foi colocado na mesa da então ministra Dilma Rousseff, hoje presidente, mas até agora nada”, cobra o parlamentar.

Também tramita no Congresso uma proposta para aumentar os percentuais dos royalties da mineração, mas para o promotor ela não terá efeito prático se não houver investimentos na fiscalização. “Se no lugar de aumentar o percentual, que é mesmo baixo, o governo investisse na fiscalização, a arrecadação aumentaria muito”, defende.