Citado várias vezes no documento confidencial do Exército, o ex-deputado Fernando Gabeira, que hoje se dedica a escrever para jornais, não conhecia o documento. Ele fez parte do grupo que seguiu para a Argélia, radicando-se na Suécia até a redemocratização do Brasil. No país, fez programas de rádio, mas desconhecia que seus passos eram constantemente monitorados pelo regime militar. “Eu sabia que alguns fatos foi possível eles acompanhar, como uma manifestação na Rússia, da qual participei. Mas o cotidiano eu não sabia”, revela Gabeira, que também seguiu para Cuba. “Fui lá para preparar a ida dos outros companheiros”, explica o ex-deputado.
No documento, os militares relatam a ida de Gabeira para Havana, onde acompanharia as comemorações da Revolução Cubana, além de outros fatos relacionados ao ex-esquerdista, que não sabe quem ajudava no monitoramento. “Eu acredito que eles tinham apoio das embaixadas, mas desconheço de onde vinham as ordens e a vigilância. Pode ser que eles tenham contratado alguém de fora para isso”, observa Gabeira.
Infiltrados Para o também ex-deputado Ricardo Zarattini, a tarefa deveria ser feita pelos adidos militares que serviam no exterior. “Eu não sei se o relatório foi feito por informantes ou arapongas, mas acredito que seriam os adidos”, diz. Segundo ele, era possível também que o governo militar mantivesse pessoas infiltradas entre os brasileiros asilados no exterior, assim como ocorreu no país envolvendo os movimentos de esquerda da época. Em um trecho do relatório confidencial, por exemplo, o ex-deputado é citado durante sua estada em Havana e é enfatizada a relação com aquele que ficou conhecido como o inimigo número um da ditadura, Carlos Marighela.
“Quanto a Zarattini, era um homem que Marighela muito apreciava e teve ótimo comportamento quando ‘caiu’, nada abrindo”, descreve o documento do Centro de Informações do Exército (CIE), ao se referir à prisão do militante. “Quando chegou a Cuba, entretanto, mostrou-se politiqueiro, criando uma série de inimizades, chegando finalmente a declarar que dava um prazo para que a ALN acertasse seu retorno ao Brasil, mas como dirigente máximo”, acrescenta o documento dos militares.
Zarattini estranhou o relato constante no documento, mas confirma que o fato existiu. “A verdade é que Câmara Ferreira (Joaquim Câmara Ferreira, ex-integrante da ALN, morto em outubro de 1970) mandou uma carta para Cuba dizendo que eu tinha que retornar para preparar a volta dos companheiros. Alguém deve ter ouvido o galo cantar e compreendeu errado”, conta o ex-deputado, se referindo à informação distorcida contida no relatório.
Os asilados
Os integrantes da VPR:
Almir Dutton Ferreira, Altair Luchesi Campos, Carlos Minc Baumfeld, Darcy Rodrigues, Dulce de Souza Maia, Edmauro Gopfert, Eudaldo Gomes da Silva, Flávio Roberto de Souza, Ieda dos Reis Chaves, José Araújo de Nóbrega, José Lavecchia, José Ronaldo Tavares de Lira e Silva, Ladislas Dowbor, Liszt Benjamin Vieira, Maria do Carmo Brito, Melcides Porcino da Costa, Oswaldo Antonio dos Santos, Oswaldo Soares, Pedro Lobo de Oliveira e Tercina Dias de Oliveira.
Os outros presos trocados:
Aderval Alves Coqueiro, Ângelo Pezzutti da Silva, Apolônio de Carvalho, Carlos Eduardo Fayal de Lira, Carlos Eduardo Pires Fleury, Cid de Queiroz Benjamin, Daniel Aarão Reis, Domingos Fernandes, Fausto Machado Freire, Fernando Gabeira, Jeová Assis Gomes, Joaquim Pires Cerveira, Jorge Raimundo Nahas, Marco Antônio Azevedo Meyer, Maria José Carvalho Nahas, Maurício Vieira Paiva, Murilo Pinto da Silva, Ronaldo Dutra Machado, Tânia Rodrigues Fernandes e Vera Sílvia Araújo Magalhães.
* Ronaldo Brasiliense
Especial para o Estado de Minas