Dentro do governo brasileiro, o pragmatismo é grande. A despeito de a relação entre as duas maiores democracias das Américas ter melhorado recentemente e do desejo de Brasil e Estados Unidos se tornarem aliados no sentido amplo da palavra, não há uma causa comum realmente forte, ou mesmo um momento mágico pessoal entre Dilma e Obama, que leve a uma maior aproximação. “Ninguém está esperando um acerto total entre o Brasil e os EUA. Há diferença dos dois lados, que sempre vão existir. O importante é que tanto a presidente Dilma quanto Obama estão conscientes de que precisam estreitar laços, porque há vantagens para todos. Não apenas do ponto de vista político, mas também do econômico”, diz um ministro brasileiro.
Dilma já avisou que está disposta a tratar com o norte-americano de temas de maior peso, como o Irã e a Síria, reforçando a influência que o Brasil ganhou no contexto internacional – o que os EUA insistem em não reconhecer plenamente. Também serão colocados na mesa acordos bilionários na área de defesa, a exploração de petróleo na camada do pré-sal, o leilão do sistema de comunicação 4G e, claro, formas de melhorar o comércio entre os dois gigantes. Ao longo dos últimos anos, os Estados Unidos deixaram de ser o principal parceiro comercial do Brasil, superados pela China.
“Temos a certeza de que o encontro entre os dois líderes será muito proveitoso. O Brasil vive um momento especial. É exemplo para o mundo em termos de inclusão social, justamente o oposto do que ocorre nos EUA, onde o fosso que separa pobres e ricos só aumenta”, afirma um dos principais assessores de Dilma. “Além disso, mudamos de patamar no contexto político ao liderarmos a criação do G-20 (grupo que reúne as 19 principais economias do mundo e a União Europeia), esvaziando o G-7 (grupo das sete potências globais) como palco principal das discussões do planeta”, acrescenta. Para Obama, que tenta a reeleição, é muito vantajoso se aproximar das nações emergentes, hoje um contraponto fundamental ao baixo crescimento do mundo rico.
Ano eleitoral
Na avaliação do secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Cozendey, a preocupação do governo brasileiro de retomar os vínculos com o mercado norte-americano é explícita. “Desde 2008, há um diálogo mais próximo na área financeira. A preocupação, agora, é aproveitar a saída dos EUA da crise e exportar mais para lá. Trata-se de uma oportunidade que o Brasil não pode desperdiçar”, resume. “Os Estados Unidos são um parceiro importante para o Brasil, o comércio bilateral vem crescendo em um ritmo forte e nossa pauta é bastante diversificada”, destaca a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (MDIC), Tatiana Prazeres.
O sociólogo Demétrio Magnoli se mostra cético em relação ao que pode sair do encontro de Dilma com o presidente norte-americano. Ele ressalta que a viagem da líder brasileira ocorre em um momento em que a prioridade de Obama é recuperar popularidade em um ano eleitoral. “Ele tem grandes chances de ser reeleito se a economia continuar acelerando e o desemprego cair. Portanto, uma nova visita de Dilma em 2013, com ele já de mandato renovado, tenderá a ser mais proveitosa”, analisa.
De qualquer forma, diz Magnoli, Dilma não poderá se furtar de tratar de temas quentes, como a reforma do Fundo Monetário Internacional (FMI), exigindo maior participação dos emergentes nas decisões do organismo, e a eleição do novo presidente do Banco Mundial (Bird), que ocorre no fim deste mês. Sobre a Síria e o Irã, o sociólogo prevê desconforto. Mas, a seu ver, o Brasil precisa firmar posições em relação às atrocidades contra civis cometidas pelo governo sírio e ao embargo dos EUA aos iranianos.
Magnoli reconhece que o Itamaraty anda mais cauteloso e o Brasil “mais modesto, deixando de se envolver em iniciativas que vão além das suas pernas”. “No governo Lula, acreditava-se que o país seria negociador de acordos no Oriente Médio, por exemplo. Felizmente, Dilma se diferenciou de Lula em relação ao Irã, mesmo que de forma pontual. Mas o Planalto resistiu à intervenção na Líbia, continua dando cobertura à Síria e não consegue ver presos políticos em Cuba”, assinala.
Independentemente de ideologias, Creomar de Souza, professor de Relações Internacionais da Universidade Católica de Brasília, acredita que o pragmatismo dominará o encontro de Dilma com Obama. Não sem motivo. Tanto o Brasil quanto os EUA precisam pavimentar uma relação que ajude os dois países a manterem o crescimento econômico nas próximas décadas. Dilma, que bate recorde de popularidade internamente, está no comando do sexto maior PIB do planeta e almeja superar a França no próximo ano. Para isso, precisa abrir mercados nos EUA aos produtos de alto valor agregado fabricados pela indústria nacional.
Aviões, suco e carnes Na área comercial, Dilma Rousseff apresentará a Barack Obama as demandas brasileiras de acesso no mercado norte-americano de produtos como aviões, carnes, suco de laranja e etanol. No caso do suco, o Brasil venceu um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as barreiras americanas e espera que os Estados Unidos cumpram o acordo. Em relação à carne, o país reforçará o pedido de autorização para exportar o produto in natura a partir deste ano. Do outro lado virá uma pressão para que o Brasil compre mais produtos norte-americanos. Obama prometeu dobrar as exportações em cinco anos. Uma fonte próxima às negociações revela que o maior interesse dos EUA está na área de serviços e de telecomunicações, especialmente no leilão da tecnologia 4G de telefonia móvel, previsto para junho, e nas compras governamentais.
Mudança de discurso Luiz Felipe Lampreia, ex-ministro de Relações Exteriores do Brasil, comemora o novo peso político do país e, mais ainda, o reconhecimento da importância de uma relação com os Estados Unidos acima de ideologias. “A relação bilateral ficou em segundo plano no governo passado, mas alguns obstáculos já foram superados na gestão de Dilma Rousseff”, afirma. Na avaliação dele, a economia norte-americana não pode ser ignorada e muito menos desprezada.
Recepção sem pompas
Washington – Uma comitiva de 150 empresários acompanha a presidente Dilma Rousseff aos Estados Unidos, o que, na visão de Leandro Consentino, especialista em Relações Internacionais do Instituto Insper, mostra que o Brasil está disposto a ampliar a corrente de comércio com a maior economia do mundo. “A reaproximação com os EUA é um dos pontos louváveis da política externa da presidente Dilma. Os encontros bilaterais com Barack Obama sinalizam a normalização das relações históricas entre os países, que esfriaram no fim do governo Lula, sobretudo com a aproximação desastrada do Brasil com o Irã”, diz.
Ainda não está definido o número de acordos que serão assinados entre os dois países no sentido de reforçar os interesses mútuos. Quando Obama esteve no Brasil, em 2011, foram firmados 10 acordos. A agenda de Dilma é curta, mas cheia de compromissos. A presidente chega a Washington hoje, no fim da tarde, e já se encontrará com empresários brasileiros. Amanhã, ela se reunirá com o líder norte-americano, na Casa Branca, onde almoçará com autoridades. Ambos participarão do Fórum Brasil-EUA de Altos Empresários (CEO Forum), grupo restrito de debates de alto nível para melhorar a integração entre os dois países.
A recepção a Dilma programada pela Casa Brasil contrasta com a oferecida ao primeiro-ministro britânico, David Cameron, no mês passado. Mesmo não tendo sido configurada como uma visita de Estado plena, Cameron participou de um jantar de gala com Obama. O presidente norte-americano também levou o britânico a um jogo de basquete universitário em Ohio, onde os dois foram fotografados rindo, comendo cachorro-quente e conversando com torcedores.
Questionada pela agência Reuters sobre essa agenda, Erin Pelton, porta-voz da Casa Branca, disse que a reunião de amanhã será o terceiro encontro bilateral entre Obama e Dilma desde a posse dela, em janeiro de 2011. O encontro, acrescentou Pelton, “vai aprofundar uma parceria que nunca foi tão forte”. (RH)