Jornal Estado de Minas

Bicheiro tinha vocabulário próprio para despistar apuração

Maria Clara Prates Alessandra Mello
A organização criminosa comandada por Carlos Cachoeira agia há pelo menos 17 anos com a ajuda de uma rede de cerca de 38 servidores infiltrados dentro de vários órgãos públicos. Para despistar as investigações, além de telefones à prova de grampo, o grupo contava com um vocabulário próprio cunhado ao longo dos anos de atuação. Nas investigações feitas pela Polícia Federal e Ministério Público, são relacionadas algumas dessas palavras, uma espécie de dicionário da organização criminosa para facilitar o entendimento das conversas grampeadas. “Em razão da dificuldade inicial de entendermos as falas e, tendo em vista o rotineiro uso de apelidos para alguns investigandos, trouxemos alguns códigos e nomes relacionados às provas colhidas a partir das milhares de horas de monitoramento telefônico”, diz um trecho do inquérito da PF que investiga a atuação do bicheiro.
Cachoeira, por exemplo, é chamado de Homem, pelos seus subordinados , e de Zero 1 pelos policiais que prestavam serviços para o contraventor. Já o delegado da Polícia Federal em Anapólis (GOP), Fernando Byron, trata Cachoeira como “guerreiro velho” . Ele repassava informações para a quadrilha sobre investigações em curso na PF, além de dados sobre inquéritos a respeito de prefeituras de interesse de Cachoeira.

Nas conversas, o delegado é chamado muitas vezes de F ou apenas de Fernando. Os tenentes da Polícia Militar na folha de pagamento do contraventor eram chamados de T nas conversas e na contabilidade. O senador por Goiás Demóstenes Torres (sem partido) é chamado por Cachoeira de Gordinho, referência ao tempo em que o parlamentar era obeso – há dois anos ele fez uma cirurgia de redução de estômago .

O sargento aposentado da serviço de inteligência da Aeronáutica, Idalberto Matias, o Dadá, araponga do grupo, chamava os cassinos e casas de bingo de “pizzaria”. As casas tinham também o apelido de igreja e farmácia. Todas as vezes que um carro de polícia rondava uma das casas do bicheiro os policiais ligados ao bando de Cachoeira alertavam alguém do esquema sobre uma possível operação policial. “Tá cheio de barca”, avisa um policial para Lenine Araújo, segundo homem na hierarquia da organização criminosa, braço direito de Cachoeira, se referindo a uma viatura policial. O próprio Lenine era chamado sempre pelo apelido de Baixinho.

Na contabilidade da organização comandada por Cachoeira a propina paga regularmente aos policiais e delegados da Polícia Civil de Goiás e também da PF tinha o código de “assistência social”. Nas conversas, algumas vezes era chamada de “salada”. O delegado da Polícia Civil de Goiás, Niteu Chaves Júnior, acusado de integrar o bando de Cachoeira, chama Lenine Araújo sempre de “padrinho”. (AM e MCP)

Dicionário do crime - Códigos usados pelos integrantes da organização criminosa de Carlinhos Cachoeira em diálogos gravados pela Política Federal

Homem e Zero 1 – Carlos Cachoeira
Pizzaria, igreja e farmácia – Casa de jogos, cassino ou bingo
Barca – Viatura policial
Salada – Propina
Assistência social – Termo usado nos relatórios de contabilidade para descrever o dinheiro pago a policiais
Meninas, copinha e geladeira – Máquinas de caça-níquel
Caneta – Jornalista