Jornal Estado de Minas

CPI sobre bicheiro terá ritmo diferenciado

Diferentemente das comissões anteriores, investigação no Congresso dos negócios do bicheiro começará com uma bagagem maior de depoimentos e escutas feitas pela PF e Ministério Público

Paulo de Tarso Lyra Erich Decat
Brasília – Um grupo de parlamentares que integrará a CPI mista para investigar o bicheiro Carlinhos Cachoeira vai iniciar uma peregrinação pelo Ministério Público Federal, Ministério da Justiça, Ministério da Fazenda e Tribunal de Contas da União (TCU) em busca de novos dados que possam contribuir nos trabalhos da comissão. Eles vão conversar com servidores que atuaram nas operações Vega e Monte Carlos, deflagradas pela Polícia Federal e que culminaram na prisão do contraventor em 29 de fevereiro.
A ação do grupo foi motivada por uma questão inusitada: diferentemente de outras comissões parlamentares de inquérito, a CPI Mista do Cachoeira se inicia após uma exaustiva investigação feita pela Polícia Federal e pelo Ministério Público desde 2009. Os principais envolvidos no episódio – e que provavelmente serão ouvidos pelos parlamentares ao longo dos próximos 180 dias – foram flagrados em conversas telefônicas autorizadas pela Justiça.

É a partir desse escopo de informações que a comissão vai trabalhar. “Como já há investigações realizadas, queremos que a CPI avance onde puder avançar”, disse o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). Ele afirmou que a ideia de formar a comissão de parlamentares surgiu no dia em que o requerimento para a criação da CPI foi lido em plenário, na última quinta-feira.

Segundo ele, ainda deve haver uma reunião administrativa para definir como esse trabalho será desenvolvido. “Queremos ser informados das dificuldades que foram encontradas ao longo das investigações ou mesmo se não conseguiram concluir alguma apuração”, completou Miro. Ele acrescentou que outros prováveis parlamentares que deverão fazer parte desse grupo são os senadores Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE). Curiosamente, esses dois últimos participarão da CPI na condição de suplentes, com vagas cedidas pelo bloco de oposição do Senado. O pedetista fluminense, até o momento, é o único titular que fará parte desse grupo.

O líder do PT no Senado, Walter Pinheiro (BA), reconhece que a CPI começa com um longo espectro de investigações e depoimentos. Mas, ainda sim, defende que a investigação no Congresso é importante. “Se não criássemos essa CPI, provavelmente o caso ficaria restrito à quebra de decoro do Demóstenes (Torres, sem partido-GO)”, observou. “Não é uma comissão qualquer. Ela pode desvendar como o crime organizado está tentando dominar o Estado brasileiro em diversos níveis”, completou o líder do PT na Câmara, Jilmar Tatto (SP).

A preocupação procede. As investigações realizadas até o momento pela Polícia Federal e pelo Ministério Público mostram que os tentáculos da organização criminosa comandada por Carlinhos Cachoeira são longos e esparramados em diversas instâncias. A CPI terá diante de si a tarefa de analisar a relação do bicheiro com oito parlamentares. O principal personagem, até o momento, é o senador Demóstenes, que enfrenta um processo de cassação no Conselho de Ética. Além disso, outros seis deputados e um suplente de senador também estão na mira da comissão.

Não para por aí. Nos planos estadual e municipal, estão na mira quatro governadores – Goiás, Rio de Janeiro, Tocantins e Distrito Federal – e quatro prefeitos, todos de cidades goianas. Órgãos públicos federais e locais também deverão ter que dar explicações, como o Incra, a Terracap , o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram). Segundo matéria publicada pelo Estado de Minas, os três primeiros estão envolvidos em uma operação suspeita de compra de terras próximo à Base Aérea de Brasília.

GRAMPOS

Já no caso da Infraero existe a suspeita de envolvimento de Cachoeira em um contrato para serviços de informática. Outro que virou alvo da CPI foi o Ministério Público de Goiás, a partir de grampos revelados pelo EM ligando Cachoeira, Demóstenes e o irmão do senador, Benedito Torres, procurador-geral de Justiça de Goiás.

A Delta Construções– citada no inquérito da PF – já começa a sentir os efeitos do escândalo. A construtora que mais cresceu nos últimos cinco anos está sofrendo uma devassa do governo federal. Na sexta-feira, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) publicou em seu site todos os contratos mantidos com a Delta. Ao todo, são 21 contratos de duplicação/construção/adequação de rodovias federais, que somam R$ 359,05 milhões. Oito deles estão ativos, 11 foram concluídos e outros dois, paralisados.

Os números são bem mais vultuosos nos casos de manutenção de rodovias: 91 estão ativos; 155 concluídos; e 17 paralisados. Todos esses somam R$ 2,831 bilhões. A empresa também anunciou que deixará o consórcio responsável pela reforma do Maracanã, uma obra que se aproxima de R$ 1 bilhão. A presidente Dilma Rousseff ordenou um pente-fino em todos os contratos da Delta, a principal construtora do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).