Jornal Estado de Minas

Lei da Ficha Limpa pode ser aplicada a funcionários de confiança

Depois de enquadrar os políticos que assumem cargos eletivos, lei pode ganhar reforço com a proposta que prevê a extensão da exigência aos nomeados para funções de confiança

Juliana Cipriani

Depois dos políticos, os nomeados para cargos sem concurso público ou efetivos indicados para as chamadas funções de confiança, que englobam postos de direção, chefia e assessoramento, estão na mira da Lei Ficha Limpa. Uma proposta de emenda à Constituição em tramitação no Senado, com apoio de várias entidades de combate à corrupção, estende a exigência de uma vida pregressa sem problemas judiciais a todos os cargos públicos do país, sejam eles da União, estados ou municípios, do Executivo, Legislativo ou Judiciário. Embora não haja números oficiais, estima-se que, só no governo federal, cerca de 20 mil vagas entrariam nessa lista.

Apresentado em fevereiro, o texto amplia a abrangência da Lei Complementar 135/2010, de iniciativa popular, que passou a tornar inelegíveis todos os que tivessem condenações judiciais por órgãos colegiados ou transitadas em julgado. Não podem concorrer os enquadrados nos crimes contra economia popular, administração e patrimônio público, sistema financeiro, contra o meio ambiente e saúde, tráfico de entorpecentes, contra a vida e dignidade sexual e outros. Também ficam impedidos os que tenham representações contra si julgadas procedentes pela Justiça Eleitoral em processos de abuso de poder econômico ou político. Um dos itens que mais tiram candidatos da jogada é a rejeição de contas em cargos ou funções públicas anteriores que ocuparam.

Na justificativa da PEC, o autor, senador Pedro Taques (PDT), alega que a medida atende o princípio da moralidade explícito na Constituição federal. “A possibilidade legal de nomeação e investidura em cargo público de comissão e de atribuição de função de confiança de brasileiros em condição de inelegibilidade pode acarretar situações de patente violação desse estruturante princípio da administração pública”. Ficam de fora os casos de inelegibilidade por incompatibilidade para a função por razões, por exemplo, de parentesco com chefes do Executivo. Pedro Taques acredita que o momento seja oportuno para aprovar a PEC, que, para ele, é um complemento essencial à Lei Ficha Limpa. “O cidadão não pode ser vereador mas pode ser chefe da Casa da Moeda? É como colocar os Irmãos Metralha para tomar conta do cofre do Tio Patinhas”, afirmou.

A causa ganhou o apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que defende a aplicação dos princípios da Ficha Limpa em toda a administração pública. Segundo o presidente da entidade, Ophir Cavalcanti, as normas já são de certa forma aplicadas aos concursados, que ao serem admitidos não podem ter condenações, mas há um grande número de vagas sem concurso em que isso não ocorre. “Há casos em que o número de comissionados é três vezes maior que o de efetivos. É uma forma de burlar o próprio concurso público para ingressar os apadrinhados políticos e cabos eleitorais. Tem que haver um critério para coibir o abuso nesses cargos”, afirmou.

Manifesto


O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), responsável pela mobilização popular que originou a Lei Ficha Limpa, também entrou na campanha pela PEC. Os responsáveis entregaram um manifesto de apoio no Congresso e se dispuseram a debater a necessidade da lei. “Hoje a pessoa sai de um processo eleitoral em que está barrada, mas pode assumir uma secretaria ou um cargo de gestor de recursos. Isso vai totalmente contra o anseio da sociedade. O que a gente quer é que a lei seja válida para todos”, argumenta uma das diretoras do MCCE, Jovita José Rosa. Para a dirigente, há um clamor popular favorável à aprovação. “A sociedade tem acordado nos últimos anos, mas a aprovação da PEC em 2012 vai depender muito da mobilização no Congresso”, disse.

Favorável à norma, o diretor da organização não governamental (ONG) Transparência Brasil, Cláudio Abramo, critica o fato de o país ainda precisar de previsão legal para impedir os condenados de ocuparem cargos públicos. “Isso é típico do Brasil. A pessoa condenada não deveria poder ser nomeada a nada. Ter que se promulgar uma lei para que isso ocorra não faz sentido nenhum, mas se é a única maneira de fazer, então é necessário”, disse.

Lei já começa a avançar


A proibição de contratar sem concurso público pessoas que se enquadrem nas proibições da Ficha Limpa já é realidade em mais de 56 localidades, entre estados e municípios, informa o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Outros 50 estão em processo de negociação para aprovar leis próprias nesse sentido. É o caso de Minas Gerais. Tramita na Assembleia Legislativa uma proposta de emenda à Constituição – que deve receber parecer favorável nas próximas semanas – estendendo a proibição a todos os comissionados e concursados da administração direta e indireta dos três poderes.

A proposta atinge 683.088 funcionários do estado. O relator do texto, Bruno Siqueira (PMDB), adiantou que deve ressalvar a não retroatividade no caso dos concursados, baseando-se em entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). Além dos políticos candidatos, já passaram pelo pente-fino da Ficha Limpa cerca de 12 mil servidores do Executivo estadual em cargos de direção, chefia e assessoramento. Uma emenda constitucional e um decreto do governador Antonio Anastasia (PSDB) os incluiu nas restrições da Lei Complementar 135/2010. O governo não informou quantos foram exonerados por causa da exigência. No Ministério Público, Assembleia e Judiciário, por enquanto não há exigência de ficha limpa.