Jornal Estado de Minas

Roberto Gurgel está impedido legalmente de prestar depoimento requisitado por governista

Parlamentares afirmam que vão insistir na presença do procurador-geral na CPMI de Cachoeira

Junia Gama

Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel - Foto: Iano Andrade/CB/DA PressUm impedimento legal apontado ontem pela Procuradoria Geral da República (PGR) pode frustrar a tentativa de deputados e senadores governistas levarem o titular do órgão, Roberto Gurgel, para depor na comissão parlamentar de inquérito (CPI) mista que investiga as relações do bicheiro Carlinhos Cachoeira com políticos e empresas públicas e privadas. A proibição se deve ao fato de os relatórios finais das CPIs serem encaminhados à PGR para que sejam tomadas as medidas cabíveis em relação aos possíveis crimes apontados no inquérito. Governistas, entretanto, vão insistir na presença do procurador-geral na comissão.

Parlamentares da base avisam que se Gurgel não aceitar o convite, a convocação pode ser votada e aprovada no plenário da comissão, que conta com ampla maioria governista. “Se a CPI quiser, ele vai. Com a convocação, ele não terá como dizer que não pode ir”, afirma um membro governista da CPI. “O que incomoda a sociedade brasileira é por que o procurador não deu provimento às denúncias contidas na Operação Vegas. Ele deve uma explicação ao país por tê-las deixado dormitando por dois anos”, ataca o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), integrante da CPI.

O “impedimento absoluto” apontado pela PGR estaria baseado em uma combinação de artigos da Constituição e do Código de Processo Penal, que preveem que um juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que houver desempenhado funções de órgão do Ministério Público (MP) ou em que tenha servido como testemunha. A previsão constitucional é de que as conclusões das CPIs sejam enviadas ao MP. A assessoria cita um precedente em que o ex-procurador-geral da República Antônio Fernando Souza foi chamado a prestar depoimento na CPI dos Correios, mas não pôde comparecer devido ao impedimento legal. Foi Antônio Fernando quem apresentou a denúncia contra o esquema do Mensalão.

O presidente da CPI do Cachoeira, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), e o relator da comissão, deputado Odair Cunha (PT-MG), afirmam que, apesar das alegações da PGR, manterão a visita a Gurgel, marcada para a manhã da quarta-feira, quando vão convidá-lo a comparecer ao colegiado.

A visita é uma manobra para evitar que o procurador passe pelo constrangimento de uma convocação, conforme defendem alguns integrantes da comissão. Já existe, inclusive, um requerimento com esse teor na CPI, apresentado logo na primeira sessão de trabalhos.

Na oposição, que não vê a necessidade de Gurgel ir à CPI, o senador Alvaro Dias (PSDB-PR) concorda com a alegação de impedimento, já que Gurgel será o responsável por avaliar os resultados da CPI e propor denúncias ao Judiciário. “O procurador-geral tem que ser preservado. Ele vai desempenhar um papel importante e deve ser apoiado”, diz. O senador Pedro Taques (PDT-MT), que também integra a CPI, entende que o procurador não pode ser convocado, mas destaca que não haveria problema em Gurgel atender um convite para ir à CPI. “Ele pode ser convidado e, se vier, pode se negar a falar de fatos que comprometam a futura ação penal”, diz.

Perillo Integrantes do grupo criminoso do bicheiro Carlinhos Cachoeira fizeram 35 menções a jantares, reuniões e encontros com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), como apontam as conversas telefônicas que embasam a investigação aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO). Perillo deve ser convocado para depor na CPI mista do Cachoeira e investigado pela PGR, com um subsequente pedido de abertura de inquérito no STF. O próprio governador pediu para falar na CPI e para ser investigado pela PGR, a partir das evidências de proximidade com o grupo de Cachoeira. O tucano voltou definitivamente ao foco com a divulgação de trecho de conversas telefônicas que apontam uma suposta entrega de dinheiro na sede do governo de Goiás, onde Perillo despacha.

 

Vinhos no cartão do bicheiro 

 

Apesar de declarar ser dono de um patrimônio pessoal modesto, o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) esbanjava nos gastos com vinhos caríssimos. Dono de uma das adegas mais invejadas de Brasília, o senador encomendou a Carlinhos Cachoeira, cinco garrafas de Cheval Blanc, safra 1947, tido como um dos melhores vinhos do mundo. A compra aparece em escutas autorizadas feitas pela Polícia Federal, dentro das investigações da Operação Monte Carlo.

A aquisição foi realizada em agosto do ano passado e chama a atenção pelo seu alto valor. No Brasil, cada garrafa custa o equivalente a R$ 30 mil. Mas o esquema de Cachoeira conseguiu uma "pechincha" e comprou as cinco garrafas por aproximadamente US$ 15 mil (cerca de R$ 28,2 mil). Segundo as escutas feitas pela PF, Carlinhos Cachoeira pede a um de seus assessores que encontre o vinho que Demóstenes quer em uma loja nos Estados Unidos. Gleyb Ferreira da Cruz, um dos principais auxiliares do contraventor, obedece às ordens do chefe e localiza cinco garrafas do Cheval Blanc. Ele liga para Demóstenes e avisa que encontrou cinco garrafas do vinho. Três delas estavam com o rótulo estragado. "Compra tudo", ordena Demóstenes. "Nada a ver", diz ele sobre o problema nos rótulos. "Mete o pau", afirma. "Para muitos, é o melhor vinho do mundo de todos os tempos", sentencia o senador. "Manda trazer. Passa o cartão do nosso amigo. Depois a gente vê", avisa, instruindo que o cartão de crédito de Carlinhos Cachoeira fosse utilizado para fazer a aquisição.