Jornal Estado de Minas

De olho em licitações milionárias, Cachoeira até espionou a cúpula do Dnit

Vinícius Sassine
O bicheiro Carlinhos Cachoeira se aproximou de empreiteiras estratégicas para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e beneficiárias de repasses milionários do órgão. Além das negociatas para favorecer a Delta Construções, a empreiteira com a maior fatia do dinheiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o contraventor manteve contatos com representantes da Data Traffic, responsável por obras de fiscalização eletrônica em rodovias, e da JM Terraplanagem e Construções, que constrói rodovias em áreas isoladas da Região Norte. O Dnit, para Cachoeira, passou a ser um órgão estratégico: o bicheiro tentou emplacar superintendentes e usou a espionagem de seu grupo criminoso para vasculhar a vida do diretor-geral do órgão, Jorge Fraxe, nomeado pela presidente Dilma Rousseff durante a faxina no Ministério dos Transportes, em setembro do ano passado.
A Polícia Federal incluiu Paulo Roberto Vilela, descrito na planilha como “diretor de Engenharia da Data Traffic”, na lista de pessoas ligadas a Cachoeira. A Data Traffic é uma empresa goiana especializada em fiscalização eletrônica de rodovias por meio de radares. Paulo Roberto foi presidente da empresa e, hoje, atua numa construtora em Brasília. Até agosto de 2011, o engenheiro era identificado como diretor-presidente em atos oficiais. Durante a gestão de Paulo Roberto, a empresa obteve nove contratos com o Dnit, que totalizam R$ 228,8 milhões. Quatro foram concluídos e cinco estão em vigor, referentes à instalação de equipamentos eletrônicos para monitoramento de velocidade em rodovias de Goiás, Pernambuco e Paraíba. Numa conversa telefônica gravada pela PF em julho de 2011, Cachoeira e o então diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, falam sobre a Data Traffic e sobre contratos de inspeção veicular.

A JM Terraplanagem e Construções, empresa sediada no DF, também obteve contratos milionários do Dnit. Mesmo com os apontamentos de superfaturamento em obras rodoviárias no Acre, feitos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a JM continuou a ser beneficiada pelo órgão, vinculado ao Ministério dos Transportes. Os 10 contratos somam R$ 220,5 milhões. O último, no valor de R$ 54,6 milhões, é uma rumorosa dispensa de licitação para a construção de estradas que integrariam duas aldeias indígenas à BR-163, no Pará. Foi a maior dispensa de concorrência já feita na gestão do general do Exército Jorge Fraxe. Depois de o caso ter sido revelado, em 1º de abril, Fraxe comunicou a suspensão do contrato e dos pagamentos e a realização de uma nova licitação.

Inspeção veicular


Os diálogos telefônicos interceptados na Operação Monte Carlo trazem uma provável referência à empreiteira. Cachoeira conversa com o ex-vereador Wladmir Garcez, também denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por integrar o alto escalão da organização criminosa, num diálogo gravado em junho de 2011. Wladmir menciona o “Júlio da JM” ao bicheiro, “aquele cara que viajou com nós pra Cuiabá”, conforme a transcrição. Em entrevista ao Estado de Minas, o diretor comercial da JM Terraplanagem, Júlio César de Ávila Oliveira, disse nunca ter visto ou conversado com Cachoeira. Mas admitiu que “batia papo” com Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta, que hoje está preso por envolvimento no grupo criminoso. A JM Terraplanagem participa de um consórcio com a Delta Construções, no valor de R$ 223 milhões, para duplicar 50 quilômetros da BR-060, em Goiás.

A Delta foi apontada como ligada a Cachoeira a partir da revelação de um grampo telefônico em que o bicheiro cobra de Cláudio Abreu a devolução de R$ 500 mil. Cachoeira faz referência ao ex-senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB), que exerce o cargo de secretário de Relações Institucionais no governo de Tocantins. O pai de Eduardo, Siqueira Campos (PSDB), é o governador de Tocantins. “Computa procê aqueles 500 lá, viu? Não quero nem ver aquele Eduardo”, diz Cachoeira. Cláudio defende o filho do governador. “Eduardo também é bom. Ele mandou dar pra nós a inspeção veicular.” Na entrevista à imprensa de Tocantins, em que explicou a existência dos R$ 500 mil, Eduardo disse se tratar da doação feita pela JM Terraplanagem ao comitê financeiro do PSDB no estado nas eleições de 2010. A empreiteira doou R$ 500 mil ao comitê.

O diretor comercial da JM diz ter feito a doação ao comitê do PSDB porque a empresa pretendia estabelecer uma parceria público-privada com o governador eleito de Tocantins. Júlio César afirma que não sabia das ligações de Cláudio Abreu com Cachoeira.