Jornal Estado de Minas

Novos personagens sob os tentáculos de Carlinhos Cachoeira

Inquérito em curso no Supremo Tribunal Federal lança suspeitas de envolvimento de outros políticos com o esquema do bicheiro. No Congresso, CPI começa a fechar cronograma de depoimentos

Vinícius Sassine Erich Decat
Brasília – A Polícia Federal (PF) detectou “diálogos telefônicos suspeitos” referentes ao deputado federal Sandro Mabel (PMDB-GO) no curso da investigação que culminou na Operação Monte Carlo. Um dos relatórios enviados pela PF ao Supremo Tribunal Federal (STF), que abriu inquérito para investigar a relação entre o bicheiro Carlinhos Cachoeira e o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), destaca trechos de conversas entre integrantes da organização criminosa, com menções a Mabel. O relatório de “encontros fortuitos” de provas pontua autoridades políticas suspeitas de relação com o bicheiro e que só podem ser investigadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em razão do foro privilegiado. Um dos tópicos é referente ao deputado do PMDB, um dos mais influentes do PR até o início de outubro. Em entrevista ao Estado de Minas, Mabel negou qualquer relação com Cachoeira, mas admitiu ter encontrado o bicheiro “num jantar ou numa festa”.
O inquérito em curso no STF amplia a quantidade de políticos alcançados pelos tentáculos de Cachoeira. As gravações telefônicas que embasam as investigações da PF – agora sob a responsabilidade da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do STF – mostram que, além de Mabel, outros políticos são citados no inquérito. Até então, não se tinha conhecimento dessas citações. É o caso do senador Magno Malta (PR-ES). O gabinete do parlamentar retornou uma ligação a Jairo Martins de Souza, sargento da Polícia Militar do Distrito Federal denunciado no âmbito da Operação Monte Carlo por, principalmente, contribuir para o esquema de arapongagem montado por Cachoeira. A mulher do gabinete que faz a ligação a Jairo pergunta se ele quer deixar um recado ou enviar um e-mail. Não fica claro no diálogo telefônico quem seria o destinatário da mensagem do araponga.

As transcrições das conversas mostram ainda citações aos governadores do Paraná, Beto Richa (PSDB), e de Mato Grosso, Silval Barbosa (PMDB). Um encontro entre Cachoeira e o presidente do PRTB, Levy Fidelix, foi agendado por outro araponga do grupo, Idalberto Matias de Araújo, o Dadá. O bicheiro tinha interesse em controlar o partido, conforme as investigações da PF. Cachoeira chegou a dizer que estava “de olho” também no PRP.

A PF listou “encontros fortuitos” de provas envolvendo o prefeito de Itumbiara, José Gomes da Rocha (PP), que se reuniu com o ex-vereador Wladmir Garcez, denunciado na Operação Monte Carlo, para supostamente tratar de “uma possível viabilização de aquisição emergencial sem licitação”. A prefeita de Valparaíso de Goiás, Lêda Borges (PSDB), teria se reunido com Cachoeira para tratar de assuntos políticos, segundo os diálogos telefônicos transcritos no inquérito no STF.

Temporada de definições

Apesar de ser uma semana reduzida pelo feriado de amanhã, integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) mista do Cachoeira e do Conselho de Ética do Senado prometem dias agitados no Congresso. Se hoje os parlamentares devem o emendar o 1º de Maio, o clima será diferente na quarta-feira, quando o relator da CPI, deputado Odair Cunha (PT-MG), apresenta o cronograma de atividades, principalmente com a marcação dos primeiros depoimentos.

“Não há como atrasar em meio a toda essa crise. Temos um calendário apertado. Não podemos perder dois dias que seja. Houve até uma proposta do presidente Marco Maia (PT) na última reunião de líderes, para que não houvesse atividades, mas ela acabou não indo para a frente", ressaltou o líder do PPS na Câmara e integrante da CPI do Cachoeira, Rubens Bueno (PR). “A semana não se interrompe. Mesmo em pleno feriado há muita coisa em estudo. E parafraseando o doutor Ulysses: ‘A CPI é conduzida pela sua excelência, o fato’”, lembrou o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ).

A ideia inicial é de que os primeiros a serem convidados sejam os responsáveis pelas investigações das operações Vegas e Monte Carlo. Uma visita ao gabinete do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, está prevista para ocorrer na manhã de quarta-feira. Na ocasião, Odair Cunha e o presidente da CPI, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), devem fazer o convite ao procurador. Conforme mostrou o Estado de Minas na edição de ontem, Gurgel é impedido legalmente de depor na CPI. De acordo com assessoria da Procuradoria-Geral da República, esse impedimento está baseado na combinação de artigos da Constituição e do Código de Processo Penal – um juiz (no caso, a CPI) não poderá exercer jurisdição no processo em que houver desempenhado funções de órgão do Ministério Público.

Numa segunda etapa da CPI, deverão comparecer os personagens citados nas investigações, entre eles, Carlinhos Cachoeira. A definição do cronograma ainda deve ser discutida horas antes de ser apresentada no colegiado, durante almoço da bancada do PT.

Sequestro de bens e suspeitos

Novos pedidos de investigação contra pessoas citadas nas operações de Cachoeira também devem ser apresentados na CPI. “Vou apresentar requerimentos mais densos, como o que pede o sequestro de bens dos suspeitos de envolvimento no esquema, para assegurar que, em caso de condenação, o povo possa ser restituído do dinheiro desviado”, adiantou Miro Teixeira. Na lista do deputado estão Cachoeira; o ex-presidente da Delta Fernando Cavendish; o ex-diretor da empresa no Centro-Oeste Claudio Abreu; e a própria Delta.

Na quinta-feira, será a vez de o senador Humberto Costa (PT-PE) apresentar no Conselho de Ética o relatório em que apontará se houve ou não quebra de decoro por parte de Demóstenes Torres (sem partido-GO), citado em escutas da Operação Monte Carlo. “No momento, estou fazendo o trabalho de contrapor o que foi apresentado na defesa com a representação”, disse Costa. Segundo ele, também vai avaliar o histórico de atuação de Demóstenes no Senado, levantando discursos e projetos propostos pelo senador. Atualmente, há pelo menos 200 proposições apresentadas pelo goiano entre projetos e requerimentos.

‘CPI explosiva’

O presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), disse ontem acreditar que os trabalhos daCPI do Cachoeira sejam concluídos até agosto. “Quatro meses de CPI são suficientes, se o processo for bem conduzido”, avalia Maia. De acordo com ele, a pauta dos trabalhos deve ser apresentada pelo relator Odair Cunha (PT-MG) na quarta-feira. Apesar da previsão otimista relativa ao término das investigações, Maia se revela preocupado com o andamento da CPMI. “Será explosiva”, afirmou o parlamentar, durante o 11º Fórum de Comandatuba, que reúne empresários e políticos na Bahia. “Uma coisa são essas pessoas (os acusados) dando depoimento à Polícia Federal, que é fechado, outra é uma investigação a portas abertas, como no Congresso. Vai haver contradições, perguntas de todos os lados e detalhes que não estão nas investigações serão revelados.”