Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal (STF) o fim de uma espécie de imunidade que no âmbito estadual apenas os governadores têm: só podem responder a ações penais, incluindo crimes de responsabilidade, perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ) mediante aprovação de dois terços dos integrantes da Assembleia Legislativa. A regra está prevista na Constituição de todos os 26 estados brasileiros e na do Distrito Federal e está sendo questionada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) por meio de ação direta de inconstitucionalidade (Adin). Três delas foram ajuizadas no último dia 19 e envolvem o Acre, Alagoas e Amapá. Já estão prontas as ações do Amazonas, Bahia e Ceará. As demais estão sendo preparadas.
Juridicamente, o principal argumento das adins é que legislação sobre matéria processual é exclusiva da União e portanto os estados não poderiam trazer uma regra que não existe na Constituição Federal. Mas a OAB também deixou claro um forte motivo político para que os artigos sejam revogados: “As bases concretas desses obstáculos são claramente visíveis nas coalizões políticas feitas no âmbito dos governos estaduais, cujo governador detém ampla maioria na Assembleia Legislativa, o que emperra quaisquer ações investigativas contra o mesmo e seus correligionários”, diz o texto da Adin referente ao Acre.
Excrescência
Para o presidente da OAB, Ophir Cavalcanti, a norma é uma “excrescência jurídica que só faz aumentar a impunidade em relação a agentes políticos. O amplo acesso à Justiça não pode ser obstado por critérios políticos”. No entanto, convencer o STF disso pode não ser muito fácil. Em outros julgamentos, o STF reconheceu a legalidade dos artigos das constituições estaduais a partir da aplicação do princípio da simetria. Isso porque o artigo 51, I, da Constituição prevê a necessidade de aprovação por dois terços da Câmara dos Deputados para abertura de processo contra presidente da República, vice-presidente e ministros de Estado.
Na tentativa de reverter esse entendimento, a Procuradoria Geral da República (PGR) ajuizou em dezembro de 2009 uma Adin questionando a Constituição do Distrito Federal. No texto, cita as decisões do Supremo e a necessidade de o órgão rever sua posição para atender o “sentimento social”. “Essa orientação não é a mais consentânea com os valores republicanos de que está impregnada a Carta da República, por favorecer a impunidade de determinados agentes públicos, ao ponto de comprometer a própria credibilidade do sistema político nacional”.
A ação chegou ao STF em dezembro de 2009 e desde fevereiro deste ano está nas mãos do relator, ministro Dias Tofolli. Na avaliação de Ophir Cavalcanti, caso o Supremo acate o teor da Adin, será aberta uma brecha para que as ações ajuizadas pela OAB também sejam vitoriosas. “As decisões anteriores são monocráticas ou de turma, que é um grupo fracionado, com no máximo cinco ministros. A matéria agora vai ser deliberada pelo plenário, são 11 ministros”, afirmou, lembrando ainda que ao longo dos anos novos ministros chegaram ao Supremo e podem ter entendimento diferente dos anteriores.