O tombamento é fundamental para preservar o Morro do Engenho, parte da extremamente minerada Serra da Casa de Pedra e moldura natural dos profetas esculpidos por Aleijadinho no adro da Basílica de Bom Jesus de Matosinhos, declarado Patrimônio da Humanidade. Também é reserva ambiental com 29 captações de água, que respondem pela metade do abastecimento de Congonhas. Laudo técnico do Ministério Público Estadual (MPE) foi enviado aos vereadores e recomenda que os parlamentares aprovem o projeto.
Paralelamente à discussão sobre o tombamento o MP conseguiu uma liminar, na semana passada, após ingressar com uma ação civil pública, impedindo que a CSN transfira a Reserva Ambiental Legal que tem na Serra para duas localidades onde também atua: o distrito Alto Maranhão e a cidade vizinha de Belo Vale. A CSN contratou uma empresa de consultoria para fazer os estudos e viabilizar a transferência. Dessa maneira, a empresa deixaria de ser refém da vontade dos vereadores. Porém, o MP descobriu a manobra e a impediu com a ação civil pública, protegendo o Morro do Engenho.
A Serra da Casa de Pedra foi tombada em maio de 2007, mas ficou faltando um projeto de lei que regulamentasse os detalhes técnicos da exploração. Para isso, foi apresentado o projeto de iniciativa popular, engavetado desde 2008 na Câmara. Na última eleição, em 2008, a Galvasud S/A, empresa que pertence à CSN (hoje chamada de CSN/Porto Real), foi a maior financiadora das eleições no município, com investimento total de R$ 80 mil, contemplando todos os vereadores que tentaram a reeleição. Apenas três tiveram sucesso e seguem no Legislativo. Um deles é o maior defensor da CSN, o presidente da Câmara, Eduardo Matosinhos (PR). Recentemente, Matosinhos afirmou que ele e todos os outros vereadores voltarão a pedir dinheiro para a CSN, para financiar a campanha eleitoral, e que isso não influi na decisão dos parlamentares.
PRESSÃO
O medo de muitos vereadores assumirem a posição pode ser explicado pela pressão popular. Um dos grupos de teatro mais tradicionais do interior mineiro, o Grupo de Teatro Dez Pras Oito, encenou nos dois últimos fins de semana a peça Tribunal da história. “Essa peça é para os cidadãos congonhenses que são omissos perante os acontecimentos do seu destino. Que são coniventes com situações que podem prejudicar a cidade dele”, explica um dos fundadores do grupo, Zezeca Junqueira. “O cidadão é o réu, a juíza a história e os jurados as futuras gerações”, detalha Zezeca. O contexto da peça, de acordo com Zezeca, é a expansão mineradora que ocorre na cidade. A peça é encenada no Cine Teatro Leon e tem direção de Edilson Ribeiro.
O prefeito de Congonhas, Anderson Cabido (PT), não quis falar à reportagem. Antes, ele já se manifestara a favor dos interesses da CSN. A assessoria de imprensa do prefeito, entretanto, enviou nota destacando as vantagens do investimento para a cidade. Uma lista com 34 projetos e compromissos firmados entre prefeitura e CSN é citada. Entre eles, reduzir a poeira provocada pela mineração, garantir o abastecimento de água, proporcionar melhores empregos para os congonhenses, construir acessos rodoviários, capacitar trabalhadores e outros benefícios para a cidade. A nota também ressalta que 80% dos recursos que circulam na cidade são provenientes da mineração e siderurgia, enquanto o turismo responde por 4%.
Madrasta e ex-enteada na briga pela prefeitura
Na cidade em que os políticos podem decidir o futuro de um patrimônio histórico da humanidade, a eleição para prefeito já se anuncia conturbada. Duas das principais candidatas compartilham o espólio eleitoral de um político ficha-suja. Na disputa, a filha e a ex-mulher dele. O ficha-suja em questão é Gualter Monteiro (PR), de 70 anos. No terceiro casamento, ele já foi prefeito de Congonhas por três vezes, mas não pode se candidatar por ter sido condenado por órgão colegiado. A estratégia para retomar o poder, perdido nos últimos oito anos para uma dobradinha PT-PSDB, comandada pelo atual prefeito Anderson Cabido (PT), é apoiar a filha, Patrícia Monteiro (PP). Porém, os votos de Gualter vão ser divididos, contra a vontade do experiente político. Sua ex-esposa, do segundo casamento, Zenita Duarte (PDT) também será candidata.
As confusões na política local não param por aí. A informação que circula na cidade é que PT e PSDB, parceiros nos dois últimos pleitos, racharam. A vencedora das prévias petistas, Vanessa Manso, não foi apoiada pelo prefeito Anderson Cabido na convenção do partido e existe a possibilidade de o chefe do Executivo apoiar o tucano Zelinho, que foi seu vice-prefeito nos últimos oito anos. Cabido não quis falar à reportagem. Além das duas mulheres de Gualter Monteiro, da candidata petista e do candidato tucano, outros cinco nomes vrão disputar o pleito em outubro.
Gualter Monteiro diz que não põe fé na sua ex. “Não acredito que ela (Zenita) será candidata. Quando ela ver que não tem uma boa situação nas pesquisas, vai desistir.” Gualter acredita que poderia disputar a eleição, mas para isso o recurso judicial que move para derrubar a condição de ficha-suja teria que ser julgado antes do pleito. “Na dúvida, eu lancei minha filha” afirma.
Patrícia é advogada e trabalhou na prefeitura quando o pai foi prefeito. A sua ex-madrasta, Zenita Duarte foi casada com Gualter por 22 anos e há oito não estão mais juntos. Patrícia não considera Zenita madrasta. “Sempre morei com minha mãe quando meu pai se separou”, destaca Patrícia, filha do primeiro casamento de Gualter.
MORRO DO ENGENHO
Para o patrono da candidatura da filha nenhum dos projetos em discussão que tratam do tombamento da Serra Casa de Pedra é adequado. Perguntado se ele considera o Morro do Engenho moldura do conjunto tombado pela Unesco, como patrimônio da humanidade, disse: “Há muita lereia em cima disso. O morro não está no tombamento da Unesco”. Já Patrícia, que ocupou a Secretaria de Cultura da cidade, se gaba de ser ligada às questões do patrimônio histórico. “Sou favorável ao tombamento da serra (Casa de Pedra), mas com responsabilidade. Porém, é preciso dar uma puxada de orelha na companhia (CSN). As empresas fazem muito pouco por Congonhas”, afirma.
Zenita, por sua vez, explica que não tem muita afinidade com a ex-enteada, mas que também não tem problemas. Em relação, ao ex-marido ela acredita que conquista boa parte do capital eleitoral. “Sempre fui o braço direito dele com o eleitorado. Tenho um trabalho social de mais de 30 anos”, explica Zenita. A opinião de Zenita sobre a polêmica do Morro do Engenho é semelhante à da ex-enteada. “Sou totalmente favorável à preservação, mas não sou contra as mineradoras, desde que elas explorem com critério.” Outra ligação de Zenita e Gualter é o filho, o vereador Feliciano Duarte Monteiro (PR). “Ele tem a questão partidária, pois é do mesmo partido do pai. Mas tenho certeza que ele vai votar em mim”, diz Zenita. (DC)