Jornal Estado de Minas

"DOM CACHOEIRA"

Carlinhos Cachoeira tinha o poder de um chefão mafioso

Ele agia à semelhança de Vitor Corleone, personagem vivido no cinema por Marlon Brando, no comando de megaesquema de contravenção, com forte influência sobre pessoas e instituições.

Alessandra Mello Maria Clara Prates
Em um dos trechos do relatório da Operação Monte Carlo, que desbaratou o esquema do contraventor, o Ministério Público destaca o que chama de "articulação impressionante" de Cachoeira , "digna de nota". - Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr
Não é à toa que Carlos Augusto de Almeida Ramos, de 49 anos, o Carlinhos Cachoeira, gostava de ser chamado de dom. Como dom Vito Corleone, personagem imortalizado no cinema por Marlon Brando, em O poderoso chefão, Cachoeira fazia favores em troca de lealdade, comandava com mão de ferro um enorme esquema de contravenção com a conivência da polícia, usava mais de cinco dezenas de empresas de fachada para dar ares legais aos negócios e não despertar suspeitas do fisco, mantinha contas e confortáveis imóveis em paraísos fiscais. E como não poderia deixar de ser tinha amigos importantes na política e trânsito entre os poderosos, que lhe pediam bênção e lhe desejavam saúde e sorte sempre.

Assim como o mafioso do filme, tinha total controle sobre a organização que comandava e uma grande capacidade de se infiltrar nas estruturas do Estado, principalmente nas forças de segurança – polícias Militar, Civil, Federal e até mesmo a Rodoviária Federal. Não precisava nem mesmo, como muitos milionários, contar com seguranças ou carros blindados. Quando dormia em Goiás, na casa do sogro, ordenava aos PMs arregimentados por sua organização criminosa que enviassem uma viatura para a porta da casa. Assim ficava tudo tranquilo. Uma atitude que parece natural quando se considera que mais de 70 policiais de diferentes corporações trabalhavam na sua estrutura criminosa.

Apesar do megaesquema do jogo e de negócios, Cachoeira adotava a máxima de que o olho do dono é que engorda o gado. Fiscalizava ele mesmo desde o funcionamento das casas de jogos até o esquema de cooptação dos agentes públicos, além de manter vigilância constante sobre a contabilidade das empresas, muitas vezes anotada improvisadamente em cadernos.

Sucesso digno de nota

Em um dos trechos do relatório da Operação Monte Carlo, que desbaratou o esquema do contraventor, o Ministério Público destaca o que chama de “articulação impressionante” de Cachoeira , “digna de nota”. O contraventor também tinha uma cartilha para seus colaboradores, que previa punições para o não cumprimento dos tratos da jogatina. A pena era o imediato fechamento do ponto rival. Com a imitação do modelo da máfia italiana em seus negócios, o capo da jogatina, durante o tempo em que esteve na ativa, movimentou cerca de R$ 400 milhões nos últimos seis anos, segundo inquérito da Polícia Federal, que monitorou a atuação do bicheiro por meio de escutas telefônicas e ambientais durante 2010 e 2011, em uma longa investigação que não está concluída. Cachoeira chegou a usar para lavar o dinheiro da contravenção 59 empresas, nos mais variados setores, e movimentava direta e indiretamente 17 contas-correntes. Atuava no ramo dos jogos, com máquinas de caça-níqueis e cassinos e site de jogo, mas resolveu investir também no ramo da construção, tendo como principal cliente o poder público. Ficou milionário. Vivia passeando em Miami, nos Estados Unidos, tinha fazendas, avião e helicóptero. Planejava construir uma pista de pouso em Brasília, perto de sua casa, para poder viajar com mais tranquilidade. Gastava dinheiro pagando contas em seu cartão de crédito e comprando presentes para os aliados.

Origem de tudo

Apesar de ter tudo para viver como um fenômeno do mundo dos negócios, Cachoeira mantinha alguns dos hábitos dos tempos em que era ainda dono de uma pequena banca de bicho. Em abril do ano passado, por exemplo, falava ao telefone com um dos colaboradores enquanto tomava café da manhã em uma lanchonete em Goiânia. É que nem sempre o bicheiro, hoje tido como inimigo público número 1 da República, foi o todo-poderoso do Centro-Oeste brasileiro. Cachoeira é um dos 14 filhos de seu Sebastião Almeida Ramos, de 86 anos, mineiro de Leopoldina, na Zona da Mata, que ainda jovem caiu nas graças do bicheiro carioca Castor de Andrade. Foi Castor quem ofereceu a seu Sebastião o comando de algumas bancas de jogo em Goiás, para onde a família se mudou.

O dono do pedaço

Carlinhos Cachoeira logo tomou gosto pela coisa e passou a ser conhecido entre os bicheiros e apontadores goianos pelo nome de uma propriedade do pai, a Fazenda Cachoeira. Astuto, propôs aos donos de banca, que viviam disputando espaço em Goiás, que unissem forças. A estratégia deu certo, mas Cachoeira cresceu tanto que acabou o único dono do pedaço. Ninguém abria casa de jogos sem sua autorização. E quem se atrevesse corria o risco de ter a banca ou o cassino fechado por policiais civis e militares que atuavam na repressão dos jogos por determinação do bicheiro (leia diálogos na página 4). Também cobrava percentual de 30% de todos que operavam algum tipo de jogatina. O dinheiro deveria ser pago já descontados os valores gastos com segurança e pagamentos dos colaboradores policiais.

Barril de pólvora

Personagem principal de uma verdadeira crônica policial, que envolve jogos, corrupção, poder, política e dinheiro, Cachoeira hoje está preso em uma cela de 12 metros quadrados da Penitenciária da Papuda, em Brasília, bem mais magro e com o cabelo raspado, mas ainda muito poderoso. Afinal, se resolver contar tudo que sabe, pode provocar mais um grande escândalo nacional.