Jornal Estado de Minas

Cachoeira comandava de perto movimentos dos seus negócios

Qualquer desvio recebia uma sentença, sem recurso. Diálogos interceptados durante a Operação Monte Castelo são a comprovação dessas várias facetas da personalidade de Cachoeira.

Maria Clara Prates Alessandra Mello
O contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, transitou com desenvoltura impressionante do submundo dos negócios ilegais da jogatina no país a salões palacianos, onde era reverenciado por governadores e pelo senador Demóstenes Torres (sem partido-GO), um procurador de Justiça que pôs seu mandato a serviço do amigo. No comando da sua rede de jogo de bicho e caça-níqueis, Cachoeira trazia todos em rédea curta e para suas sentenças não havia recurso: o mal era cortado pela raiz com a exclusão do desleal da exploração do jogo. O mesmo homem que decretava o fim de um ex-aliado pela manhã à noite era a figura principal de jantares para articulações políticas. Com sua habilidade, Cachoeira costurou a parceria de Demóstenes, eleito pelo Democratas (DEM), com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB). Desde então, era paparicado por eles, em telefonemas e benesses naquele estado.
Diálogos interceptados durante a Operação Monte Castelo, que tinha como alvo os negócios e colaboradores do contraventor em Goiás, são a comprovação dessas várias facetas da personalidade de Cachoeira. Na noite de 17 de dezembro de 2010, o contraventor conversou com seu braço direito, Lenine Araújo de Souza, sobre a abertura de um ponto de jogo em Valparaíso (GO), sem sua autorização. O auxiliar de Cachoeira informou que Wellington Queiroga, sobrinho de outro colaborador dele, José Olympio Queiroga, estaria explorando um ponto de apostas sem autorização. “Rapaz, o cara abriu o trem lá, rapaz, bicho peitudo”, disse Lenine. Sem pestanejar, Cachoeira decretou então a sentença para o infrator da sua lei: “Manda fechar, agora!”. Simples assim. E mais, o contraventor exigiu que o serviço fosse feito no mesmo dia: “Manda lá hoje”. Lenine argumentou alguns entraves para a ação imediata e ainda se certificou: “Cai para dentro, então. Pode mandar o pau?”. “Arrebenta, arrebenta!”, foi a ordem do capo da jogatina.

Serviço com grife

Como não podia deixar de ser, em menos de 24 horas, a ordem de Cachoeira foi atendida. Lenine passou a missão para o sargento reformado da Aeronáutica Idalberto Matias, o Dadá, araponga e executor da organização criminosa. Ele, por sua vez, convocou para a missão o major da Polícia Militar Antônio Carlos da Silva, o major Silva, responsável por arregimentar militares para o esquema criminoso. O serviço foi feito pouco mais das 23h do dia seguinte à ordem e teve até grife. Ironizando, Dadá determinou que Silva, ao final, colocasse um cartaz no ponto fechado com os dizeres: “Foi o Cachoeira quem mandou”. Tratando o assunto com naturalidade, o major Silva ainda ironizou: “Leva tudo: fogão, geladeira cachorro, gato, pulga, colchão…”.

Verdadeira autoridade

Com essa forma de administrar a jogatina, Cachoeira pretendia enquadrar até mesmo o comandante-geral da Polícia Militar de Goiás e não poupou palavras de baixo calão. Aguardando uma investida da Polícia Militar contra seus adversários na exploração de jogo, Cachoeira perdeu a paciência e a pose, em outra ligação com Lenine: “Tem que pegar esse filho da égua, e esse bosta desse comandante não fala nada?”. Se sentindo a verdadeira autoridade de Goiás, o contraventor sentenciou: “Você dá um recado pra ele, que estou achando que ele está de sócio”, insinuando que o militar poderia estar a serviço de seus adversários nos negócios escusos. Lenine, como fiel colaborador, reforçou a tese do capo: “Esse você esquece, naquele dia que pegou ele soltou… Caga de medo!”.

Nos salões do poder

Para suas costuras políticas, no entanto, Carlinhos Cachoeira adotava maneiras bem mais refinadas. No dia do seu aniversário no ano passado, foi coberto de mimos por Demóstenes, que ofereceu ao bicheiro um jantar, e também pelo governador Marconi Perillo, um dos convidados para a comemoração. Depois de cumprimentar pelo aniversário, o senador disse que abriria as portas da sua casa para ele e Perillo e, como um amigo leal, diz a Cachoeira que ele pode convidar quem ele desejar. “Quem você quer levar?”, indagou Demóstenes, que sugeriu os nomes de Cláudio Abreu, da Delta, e Edivaldo Cardoso, um ex-auxiliar do governo de Goiás. Educado, Cachoeira disse que apenas Edivaldo iria com ele. À noite, foi a vez de Perillo cumprimentar o contraventor. Chamando o bicheiro de “liderança”, Perillo fez uma queixa: “Rapaz, faz festa e não chama os amigos?”, mas depois do rodeio deseja a ele que Deus continue o abençoando, dando saúde, sorte. Cachoeira demonstra gratidão e agradece: “Obrigado pela lembrança”. Por essas e outras que o depoimento do contraventor é o mais aguardado na Comissão Mista Parlamentar de Inquérito instalada no Congresso Nacional. Cachoeira deveria ter sido ouvido na semana passada, mas seu advogado, Márcio Thomas Bastos, ex-ministro da Justiça, conseguiu adiar a audiência sob a alegação de não ter conhecimento do inteiro teor do inquérito. Nova data foi marcada: terça-feira, dia 22, mas a defesa entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com novo pedido de adiamento.

Ironia do destino

Carlinhos Cachoeira começou a ser investigado não por causa da exploração do jogo, assunto alvo de vista grossa em praticamente todos os estados, mas por causa de uma denúncia anônima envolvendo um de seus colaboradores. Um policial militar denunciou uma tentativa de suborno feita pelo bicheiro de Goiás José Olympio Queiroga, também denunciado por execuções de rivais no Espírito Santo. Em campo, a Polícia Federal logo percebeu que Queiroga era peixe pequeno e que quem comandava de fato a jogatina em Goiás e no entorno do Distrito Federal era Carlos Cachoeira, figura já conhecida e um dos principais alvos da CPI dos Bingos, em 2004, que terminou desencadeando o maior escândalo do país, o mensalão.

Pelo telefone

Diálogos interceptados pela Polícia Federal

FECHAMENTO DE BINGO

Carlinhos Cachoeira (foto) X Lenine Araújo de Souza
Data: 17/12/10 – Hora: 21h45

Carlinhos: Oi, Lenine.
Lenine: Rapaz, o careca abriu o trem lá, rapaz, bicho peitudo!
C.: Manda fechar, agora.
L.: Rapaz, ontem ele virou pra mim, né? Me ajuda aí. Aí, eu falei: é, então vamos conversar, empurrando com a barriga, né? Aí eu virei pra ele ó, aí ele me ligou à noite, né? Vamos peitar nós dois esse trem, aí eu falei: ó sem a ordem dele eu não faço não.
C.: Não, eu ia até em Goiânia hoje, ele tá louquinho pra falar comigo. Aí, eu não atendi ele não. Aí não deu pra atender ele, mas ele tá lá em Goiânia. Eu preciso falar com você hoje, aí eu não atendi não.
L.: Ainda bem, hein? Pois é, era pra isso, rapaz. E outra coisa aí: não tem ninguém nosso lá. Não tem ninguém nosso. Não dá satisfação nem nada, não combinou. Ah, rapaz, como é que peita? É peitar mesmo, né?
C.: Não, manda lá hoje. Hoje, Lenine, tem gente lá?
L.: Não, eu acho que tem. Eu falei com o Chico aqui pra ele acionar o de preto, de preto da civil.
C.: Tá bom, então, beleza!
L.: Cai pra dentro, então. Pode mandar o pau?
C.: Arrebenta, arrebenta!

A OPERAÇÃO

Major Antônio Carlos da Silva X sargento da Aeronáutica Idalberto Matias (Dadá) (foto)
Data: 18/12/10 – Hora: 23h21

Silva: Chico, a TV fofoca já começou! A TV fofoca já começou. Já me ligaram aqui falando que o povo de Goiânia junto com a Genarc.
Dadá: Maravilha. (...)
S: Porque um chegou, o outro não.
D.: O caminhão (...).
S.: Há, então tá. Ok, então tá ok. Fala pra esse motorista ir em 44 e 45, aí ó, onde tá pintado!
D.: Não, nós tamos na rua aqui, entrou um e o outro ficou dando um tempo aí. Depois entrou agora, entrou os dois.
S.: Não, ok, ok. O buchicho já rolou já, que a Genarc e o pessoal de Goiânia.
D.: Beleza.
S.: Tem uma barca aí, o Leonan, o Leonan está rodando perto de vocês aí, certo! (...) Tá o Leonan e o Cabral. Eles estão rodando perto de vocês aí!
(...)
D.: Bota um cartaz na porta: “Foi o Cachoeira que mandou!”.
S.: É, pede pro Marcos sair daí. Pede pro Marcos sair daí. Dá um voo com o Marcos, depois vocês voltam.
D.: Falou pros caras levarem as tomadas, os negócios, aí?
S.: Leva tudo! Fogão, geladeira, cachorro, gato, pulga, colchão. (...)

O PODER

Carlinhos Cachoeira X Lenine Araújo de Souza

C.: .... O que deu aí?
L.: Até agora nada. Ele estava indo nas salas hoje e filmando aí. Liguei pro amigo aí... Passa um pouquinho, o amigo liga e fala pra deixar à vontade, porque tem três pessoas minha aí....
C.: Tem que pegar esse filho da égua, e esse bosta desse comandante não fala nada?
L.: Esse você esquece, naquele dia que pegou ele soltou. Caga de medo.
C.: Você deu o recado pra ele que estou achando que ele que tá de sócio?
L.: Dei, mas não é não. Boi sonso!!

O ANIVERSÁRIO

Carlinhos Cachoeira X senador Demóstenes Torres (sem partido-GO)
Dia: 3/5/11 – Hora: 17h59

Demóstenes: Combinei com o Marconi um jantar lá em casa, então, na quinta-feira, falou?
Carlinhos: Tá fechado, então. Estaremos, estaremos lá, viu?
D.: Beleza! Quem você quer levar? Cláudio, Edivaldo, quem, quem que você tá pensando?
C.: Só o Edivaldo. Bom que a gente fala aquilo, tá?
D.: Então beleza, ok. O Cláudio não quer levar, não? Porque aí já comemora o seu aniversário, ué.
C.: Eu vou ver com ele. Obrigado, viu?
D.: Falou, professor, um abraço.

A BÊNÇÃO

Carlinhos Cachoeira X Marconi Perillo (PSDB), governador de Goiás (foto)
Dia 3/5/11 – Hora: 20h48

Marconi: Liderança!
Carlinhos: Fala, amigo! Tudo bem?
M.: Rapaz, faz festa e não chama os amigos?
C.: O que que é isso?
M.: Parabéns!
C.: Tudo bem? Obrigado pela lembrança, viu, governador?
M.: Que Deus continue te abençoando aí, te dando saúde, sorte.
C.: Muito obrigado, viu?
M.: Um grande abraço pra você, viu?
C.: Obrigado aí, viu?
M.: Eu vou falar com o Edivaldo pra gente marcar uma conversa, viu?
C.: Exatamente. Tô esperando, viu?
M.: Já tá marcado, quinta-feira, não tem?
C.: É quinta-feira. O senador me ligou, tá? Obrigado pela lembrança.
M.: Tá bom! Um abraço, tchau.