Brasília – Nos últimos 50 dias, o clima no plenário do Senado tem se dividido em dois momentos: quando Demóstenes Torres (sem partido-GO) está presente e quando não comparece. Em 30 de março, a imprensa publicava um diálogo gravado durante a Operação Monte Carlo pela Polícia Federal, entre o senador e o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, em que o parlamentar demonstrava ter intimidade com o bicheiro, chamado de “professor”. Demóstenes informava o amigo da tramitação de um projeto de lei na Câmara que tratava da criminalização da exploração de jogos de azar, fonte de riqueza da Cachoeira. O episódio foi o ponto de partida para as dezenas de denúncias que transformaram um senador atuante e contundente num parlamentar fantasma, que não legisla, não discursa e, quando aparece, permanece estático na mesma posição: de costas para as câmeras e isolado dos colegas.
Quase diariamente, o itinerário é o mesmo: ele chega pela portaria principal do Senado, normalmente no início da manhã, e sobe pelo elevador privativo de parlamentares ao café perto do plenário, ainda vazio. Entra, marca a presença – requisito para não ter o salário descontado – e some. Enfurna-se no gabinete ou vai embora para seu apartamento funcional, sem participar das discussões em pauta na Casa. Quase nunca está nas sessões deliberativas. Se interpelado pela imprensa, repete seu mantra quantas vezes for necessário: “Só me pronunciarei no Conselho de Ética”.
Quando Demóstenes se dispõe a acompanhar as votações até o fim, permanece todo o tempo sentado de costas para a área reservada à imprensa, na tentativa de escapar das primeiras páginas do dia seguinte. A maioria dos demais senadores mantém distância, num raio de segurança de três cadeiras, para fugir da mão que ele estende sempre que lhe dão chance. Ao esboçar o cumprimento, assessores do parlamentar-alvo se aproximam rapidamente para impedir que seu assessorado ilustre a foto ao lado de Demóstenes.
“Saí correndo e quase caí. Tropecei na cadeira, mas consegui chegar perto do senador antes de ele (Demóstenes) esticar o braço. Se saírem fotos deles juntos de novo, fica feio”, explicou um assessor que se coloca à espreita todas as vezes que Demóstenes entra no plenário. Quanto mais ostensiva a investida do parlamentar goiano, menos receptividade ele encontra: “Se o Demóstenes ainda permanecesse na dele, sem ficar procurando a gente com o olho, chamando para a gente chegar perto, mais colegas se aproximariam. Mas forçar a barra, querer conversar no pé do ouvido e apertar a mão é ridículo. Todo mundo lembra como ele foi duro com os senadores que em algum momento passaram pela situação que ele vive hoje”, justificou um senador.
Atividade
Demóstenes hoje não é nem a sombra do seu passado recente. A atividade parlamentar minguou na mesma proporção que sua eloquência: o site do Senado mostra que sua última ação legislativa data de 16 de março, quando ele apresentou uma proposta de emenda à Constituição sugerindo o aumento do número de integrantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ironicamente, hoje o CNMP tem um procedimento disciplinar aberto por suspeita de tráfico de influência contra o irmão de Demóstenes e procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres, acusado de atuar no MP local em favor do interesses de Cachoeira, sob orientações e bênção dosenador, que também é procurador de Justiça.
O discurso mais recente na tribuna, um dos espaços preferidos do parlamentar antes da crise, coincide com o dia em que ele recebeu o último voto de confiança de seus pares. Em 6 de março, fez um pronunciamento para negar que mantinha relações escusas com Cachoeira, suspeita levantada depois de vir a público que o bicheiro havia dado presentes no valor de R$ 27 mil para o senador. Na ocasião, 44 parlamentares manifestaram apoio público a ele. Os gastos do gabinete também despencaram, de R$ 21 mil em março, para pouco mais de R$ 5 mil consumidos em abril. Demóstenes permanece mudo desde 14 de março, quando pediu a palavra no Senado pela última vez.
O último dia 9 foi a síntese da atuação de Demóstenes nos últimos 50 dias. Postado na cadeira e evitado por todos, assistiu em silêncio à derrota da oposição, da qual fazia parte até ser expulso do DEM, na votação do projeto da Lei Geral da Copa. Limitou-se a votar como seus antigos correligionários: contra a proposta. “Só Deus sabe como eu senti falta do Demóstenes no dia dessa votação. E ele estava no plenário”, resumiu em tom de lamento o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), seu ex-principal aliado.