Jornal Estado de Minas

Desembargador que julgou processo sobre a morte de JK afirma não ter sofrido pressão

Segundo o magistrado, a decisão se baseou em laudos feitos por peritos criminais

Daniel Camargos

Lavras – Na Avenida Juscelino Kubitschek, no Centro de Lavras, cidade de 92 mil habitantes no Campo das Vertentes, mora sozinho em uma bela casa o desembargador aposentado Gilson Vitral Vitorino. Ao chegar ao portão e olhar para frente, ele vê a placa com o nome da avenida. É inevitável não recordar dos anos de 1976 e 1977, quando esteve envolvido com a causa mais importante de sua carreira, a que determinou o motivo da morte de JK, o ex-presidente que dá nome à movimentada via onde vive.

Vitorino nega ter sofrido qualquer tipo de pressão que pudesse influenciar a decisão que ele tomou. Ele concluiu que o que matou JK foi um acidente e que o motorista da Viação Cometa, Josias Nunes de Oliveira, indiciado por homicídio culposo, era inocente. O Estado de Minas publicou na edição de ontem depoimento inédito de Josias, reforçando a tese de acidente. Enquanto isso, a Comissão de Direitos Humanos da Seção Mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) finaliza um dossiê, de quase mil páginas, para entregar à Comissão da Verdade, criada pela presidente Dilma Rousseff, com a incumbência de esclarecer as questões do passado.

A decisão foi baseada nas provas técnicas, segundo Vitorino. “O juiz tem de pensar com o que está escrito nos autos, não pode pensar em hipóteses. O processo tem o laudo feito pelos melhores peritos da época”, afirma o desembargador. Foram designados dois peritos criminais: Haroldo Ferraz e Nelson Ribeiro de Moura. No dia seguinte ao acidente, Haroldo foi substituído pelo perito Sérgio de Souza Leite. Em 1995, 19 anos depois, Sérgio foi demitido do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, após nove denúncias do Ministério Público contra os laudos produzidos por ele, sendo que oito processos tiveram de ser arquivados por falta de provas.

À época do julgamento, Vitorino tinha 35 anos. Ele não considera o caso mais importante do que os outros que julgou. “Todo processo, para o juiz, leva a uma decisão que importa em várias consequências”, afirma Gilson. “Um juiz julga 200 processos por mês. Muitos marcam e deixam lembranças, mas o tempo apaga”, completa.

Apressado

O desembargador revela, porém, que depois da sentença descobriu que havia uma história que não entrou no processo. “A pressa do Geraldo (Geraldo Ribeiro, motorista de JK). O Juscelino começou a se sentir mal, tanto que chegaram a parar no caminho para ligar para o ex-deputado federal Mário Tamborindeguy (pai da socialite Narcisa Tamborindeguy), que era muito amigo de JK. O deputado tinha conhecimento na região e queriam que ele indicasse um médico para atender o ex-presidente com urgência”, relata Vitorino.

O juiz, que se aposentou há 10 anos como desembargador, destaca ainda que o Opala de JK não estava em boas condições. “Pode ter esbarrado no ônibus, mas não foi culpa do Josias, motorista da Cometa”, recorda. O carro dirigido pelo motorista do ex-presidente teria sido fechado por um ônibus da Viação Cometa, perdido o controle, atravessado a pista – no quilômetro 165 da Rodovia Presidente Dutra, próximo a Resende (RJ) – e sido atingido por uma carreta Scania.

Dos holofotes ao hobby

Outro caso que passou pelo crivo de Vitorino e também se destacou na história do Judiciário brasileiro foi o do advogado Leopoldo Heitor e de Dana de Teffé. Heitor foi acusado de matar Dana, uma milionária tcheca com o objetivo de ficar com a herança. Ela sumiu quando viajava de carro do Rio de Janeiro para São Paulo na companhia de Heitor. Ele conseguiu ser absolvido se valendo do princípio de que só existe crime de assassinato se houver cadáver.

Além de trabalhar em Resende, Gilson foi juiz em Petrópolis, Volta Redonda e na capital fluminense. Desde que aposentou mora em Lavras, e considera uma curiosidade morar na Avenida Juscelino Kubitschek. “Quando meu pai comprou a casa já havia acontecido o acidente. Foi uma coincidência”, afirma o desembargador. Nascido em Bom Jardim de Minas, no Sul do estado, Vitorino foi criado em Lavras e, antes de ser juiz no Rio de Janeiro, atuou em Minas, nas cidades de Pirapora, Lavras e Oliveira. “Fiz concurso para o Tribunal de Justiça do Rio porque o salário era melhor”, lembra Vitorino.

Aos 70 anos, o hobby de Vitorino é pilotar sua moto, uma Harley-Davidson quase zero, de 1,6 mil cm³ de cilindrada, que pesa 340 quilos. “Ando de moto desde antes de ser permitido, quando tinha 14 anos”, confessa. Ele gosta de fazer viagens curtas até São João del-Rei e Tiradentes, as cidades próximas a Lavras. Perguntado se chegou a 220km/h, velocidade máxima no velocímetro, responde: “Fiz 150km/h, mas coisa de dois minutos. Só para testar”.