Jornal Estado de Minas

Nem os amigos sabiam da tortura de Dilma em Minas

Gilberto Vasconcelos foi transferido junto com Dilma para Juiz de Fora em janeiro de 1972. Não soube da tortura, mas enfatiza a grandeza da presidente mesmo nos momentos mais sofridos

Sandra Kiefer
O episódio da tortura de Dilma em Minas permaneceu desconhecido até entre os próprios militantes estudantis de esquerda de Belo Horizonte, acusados de subversão na época da ditadura pós 1964. “Não sabia que ela tinha sido torturada em Juiz de Fora”, surpreende-se Gilberto Vasconcelos, o Ivo", presidente do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito de Uberaba e principal contato da organização Colina na cidade do Triângulo Mineiro. Em janeiro de 1972, Gilberto foi transferido de São Paulo para Juiz de Fora com Dilma, no mesmo camburão. "Não posso testemunhar sobre a tortura de Dilma em Juiz de Fora, porque chegando lá fomos separados e não tive mais contato com ela. Só voltaria a vê-la no dia do julgamento", completa.
- Foto: Enerson Cleiton/Esp. EM
Gilberto é conterrâneo de Dilma. Na época, ela tinha 22 anos e ele, 23; e ambos militavam no setor estudantil da organização de luta armada Colina, batizada assim em homenagem às montanhas de Minas. Mais tarde, na clandestinidade, os dois se tornariam "amicíssimos" de Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, de codinome Breno, que chegaria a ser dirigente nacional da VAR-Palmares. "Não há melhor lugar para se esconder do que na praia. Ficávamos eu, ela e o Beto sentados na praia, cantando as músicas da revolução. Um dia chegou o Beto cantando Aquele abraço, do (Gilberto) Gil, que eu nunca tinha ouvido. Dilma cantou junto. Ela gosta de cantar e isso nos unia além das convicções ideológicas", conta.
Em fevereiro de 1971, Beto seria assassinado com três tiros na Casa da Morte de Petrópolis, no Rio, segundo consta no livro A vida quer é coragem, lançado em janeiro por Ricardo Amaral, conhecido como Batata, ex-assessor de imprensa de Dilma e que trabalhou em BH como repórter do antigo Diário do Comércio. Em homenagem ao amigo de lutas, Gilberto batizou seus filhos de Beto e Breno, nome e codinome do militante morto em combate.

Veja a entrevista do amigo da presidente


Como foi sua passagem por São Paulo?

Eu já estava no Presídio Tiradentes. Uns seis meses depois, chegou o Max, codinome do Carlos Franklin Paixão Araújo, pai da filha de Dilma. Nós ficamos presos na mesma cela, no mesmo beliche, durante um ano e meio. O Max se comunicava com ela através de bilhetinhos escritos com caneta Bic de ponta fina e enrolados no durex, escondidos na obturação do dente. O dentista era um preso político e fazia a troca dos papeizinhos entre a ala feminina e a masculina. Ele era de fato apaixonado pela Dilma e os dois se gostavam mesmo.

E quanto à jovem militante Dilma?

Não estou cometendo nenhuma inconfidência, pois os dois são grandes amigos até hoje, isto é notório. Max sempre foi um cara extraordinário, de raciocínio rápido. Engraçado como as pessoas mudam pouco com o tempo. Estive com Max no casamento da Paula, em Porto Alegre, e ele continua do mesmo jeito. Dilma também. Ela estava cercada de amigos e me tirou para dançar na festa. Apesar de ter uma imagem que não reflete isso, é uma pessoa sensível, carinhosa, afável e uma das pessoas mais generosas que conheço. Muito antes de ela se tornar ministra, de ser presidente, sempre disse isso.

Por que o senhor diz isso com tanta convicção? Algum fato do passado marcou?

Basta dizer que ela havia sido presa em16 de janeiro de 1970 e tinha ponto (encontro) marcado comigo no dia 20 e não me entregou. Precisa dizer mais? Ela estava sob tortura e não falou o meu nome para a polícia. Ainda que ela tivesse confessado, eu não teria como recriminá-la, porque a tortura degrada o ser humano, torna você um trapo, você passa a preferir estar morto.

Por que os militantes históricos de Minas resistem a reconhecer a importância de Dilma em BH?

É uma questão de contextualizar as coisas. No movimento estudantil em BH, Dilma era uma militante estudantil como outra qualquer, que nem chegou a ser presidente de diretórios. Quem era mais importante do que nós era o Galeno (Cláudio Galeno), o primeiro marido dela. Mas depois ela foi para o Rio e passou a ganhar relevância até chegar a coordenadora da VAR-Palmares em São Paulo, com toda a organização sob o comando dela. Naquela época, Dilma já era uma pessoa diferenciada, como aliás continua sendo até hoje.