“Orós,
Peço-lhe procurar com urgência a Stela e mandá-la procurar por João, à rua Oruá, 246, no bairro S. Paulo, para discutir um troço. Se não conseguir encontrá-la, vá você mesma. É importantíssimo.
Saudações de Gabriel”
Por causa desse e de outros 21 bilhetes endereçados a Dilma (Estela), a Oroslinda (de codinome Mônica) e a outros companheiros de militância, Dilma voltaria a ser torturada, agora nos porões da ditadura de Juiz de Fora, em Minas. Ao descrever os sistemas de troca de guarda, as cinco galerias de celas e inclusive desenhar o mapa da penitenciária (veja reprodução na página 4), Pezzuti involuntariamente despertou a suspeita de que havia militantes infiltrados em órgãos de segurança de Minas.
“Eu não tinha a menor ideia do que se tratava, pois tinha saído de BH no início de 1969 e isso era no início de 1970. Desconhecia as tentativas de fuga do Ângelo Pezzuti, mas eles supuseram que se tratava de uma mentira”, revelou Dilma, em depoimento até então inédito, prestado em 2001 à equipe do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Conedh-MG), segundo publicou ontem com exclusividade o
Estado de Minas, revelando em primeira mão os relatos e a dor da própria presidente na prisão em Minas. Pensativa, Estela disse mais: “Talvez uma das coisas mais difíceis de você ser no interrogatório é inocente. Você não sabe nem do que se trata”.
O resultado dos bilhetinhos foi um só: Dilma voltou a apanhar em Minas, e de forma ainda mais brutal. Os agentes da repressão queriam que Estela contasse o que sabia sobre o plano de fuga dos presos, a qual, aliás, acabou não ocorrendo. “Até tentei ajudar, mas logo depois a polícia foi atrás de mim. Não deu tempo”, lamenta Oroslinda, que deixou para trás o apelido de Orós e hoje é conhecida como Linda. De codinome Mônica, a ex-militante entrou para a clandestinidade e nunca chegou a ser presa pelos órgãos de segurança. Atualmente, trabalha como chefe de gabinete de outra militante da época, a ministra Eleonora Menicucci, da Secretaria de Políticas para Mulheres, que também entrou com pedido de indenização na comissão mineira.
Ao ser trazida num camburão de São Paulo para Juiz de Fora, Estela imaginava que seria apenas interrogada, como das outras vezes, pois já estava na fase final do julgamento na auditoria da 4ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), em Juiz de Fora. Mas as sessões de sofrimento, que já haviam acontecido em São Paulo e no Rio de Janeiro, recomeçaram em Minas. “A convicção de que haveria traidores no meio policial militar explicava a violência dos interrogatórios e a intensidade das torturas, que, sem cessar, intercalavam, ao longo do dia: pau de arara, afogamento, choques elétricos, palmatória, pau de arara, num rodízio infernal e, em alguns momentos, o horror da simultaneidade de todas essas sevícias”, declarou Dilma, quando era secretária das Minas e Energia do Rio Grande do Sul, ainda filiada ao PDT. O documento serviu de base para requerer a indenização de R$ 30 mil concedida às vítimas de tortura pelo Conedh-MG, a primeira comissão do país a reconhecer esse direito, ainda na época do governador Itamar Franco.