“Faça o que você quiser com este valor da indenização, doe para uma instituição ou jogue fora, sei lá, mas dê o seu depoimento. É importante”, disse Nilmário Miranda, codinome Gustavo, à ex-companheira de militância em Belo Horizonte, a amiga Estela (Dilma). Ainda secretária das Minas e Energia do Rio Grande do Sul em 2001, Dilma estava reticente a entrar com pedido de reparação às vítimas de tortura da comissão mineira, que copiava o exemplo da comissão gaúcha, a primeira no país a reconhecer o direito à indenização. Meses depois, Minas sairia na frente com os pagamentos, por ordem expressa do então governador Itamar Franco. Dilma seria incluída no 12º lugar da primeira leva de 53 indenizados.
“Depois disso, não voltei a conversar com Dilma sobre o assunto. Nem fiquei sabendo que ela havia falado com a comissão mineira”, surpreendeu-se Nilmário, profundo conhecedor do passado da militância de esquerda no país e autor do livro Dos filhos deste solo, na segunda edição, que revela um a um os nomes dos 312 mortos e 163 desaparecidos na ditadura militar no Brasil. Ao todo, perto de 500 militantes políticos perderam a vida nos anos de chumbo, sendo 53 em Minas, do que é sabido até agora.
Agora que vem a público o depoimento de Estela, hoje presidente da República, Nilmário não acredita que Dilma faça um pronunciamento a respeito: “Na condição de presidente, Dilma é também comandante-chefe das Forças Armadas e precisa tomar um certo cuidado. Depois que ela se empenhou pessoalmente pela criação da Comissão Nacional da Verdade (em maio), surgiu um movimento contrário vindo dos porões dos clubes militares. Ela não pode dar margem para começarem a falar em revanchismo”, alerta.
Conselheiro da Comissão da Anistia e presidente da Fundação Perseu Abramo, Nilmário está envolvido atualmente com o caso do cabo Anselmo, agente duplo da repressão que admitiu ter entregado de 100 a 200 ex-colegas de farda e perseguidos políticos ao regime da ditadura, entre eles a mulher dele, grávida de 7 meses, Soledad Barret Viedma, que acabaria sendo morta. Cabo Anselmo entrou com pedido de indenização, como ex-militante. Em maio, a requisição foi negada por unanimidade, em processo relatado por Nilmário.
Memórias
Ex-ministro dos Direitos Humanos, o petista Nilmário Miranda militou com Dilma na época de estudante na capital mineira. “Conheci Dilma em 1965. Fomos colegas primeiro no Colégio Estadual Central e depois na Faculdade de Ciências Econômicas (Face) da UFMG. Éramos parte da Polop (Organização Revolucionária Marxista Política Operária) e daí nossos caminhos se separaram. Ela foi para o Colina e eu fui para o POC (Partido Operário Comunista).”
Nilmário chegou a ficar preso com o segundo marido de Dilma Carlos Araújo Paixão Linhares, o Max, no Presídio Tiradentes (SP). “Por causa dele Dilma se mudou para o Rio Grande do Sul. Ela foi solta em fins de 1972 em São Paulo, mas ele ainda ficou preso mais um tempo. Ela foi para lá para poder ficar visitando o Max na prisão”, relata. Nilmário lembra que Dilma, portanto, teria direito a receber a indenização em Minas, São Paulo e no Rio, onde no mês passado anunciou que iria doar a quantia de R$ 20 mil ao grupo Tortura Nunca Mais. “Já no Rio Grande do Sul ela não foi torturada”, comenta.
Nilmário foi preso em 1970 e teve uma passagem pelo Presídio de Linhares, em Juiz de Fora. Como a companheira Dilma, foi encapuzado e levado para local por ele desconhecido, onde foi submetido a sessões de tortura. Neste momento da conversa, Nilmário baixa os olhos e muda de assunto. Parece ter dificuldade em relembrar o próprio tormento: “Era pau de arara, cadeira do dragão… (interrompe novamente a descrição). Mas não sofri tanto quanto a Dilma, porque ela era da luta armada e eu não. A tortura dela foi pior”.