O presidente da Comissão Especial de Juristas, o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, chegou a dizer numa das audiências públicas que, em vista de sua desatualização, o atual Código Penal deve ser “rápida e compulsoriamente aposentado”. Mais recentemente, manifestou a expectativa de que o anteprojeto seja o ponto de partida para a confecção de um código para o “Brasil de hoje e de amanhã”.
O procurador regional Luiz Carlos Gonçalves, relator da comissão, destacou que o anteprojeto é uma proposta moderna, mesmo em comparação com outros códigos ao redor do mundo, e que ao mesmo tempo guarda forte vínculo com a realidade brasileira.
- Foi um trabalho muito discutido e refletido, que resultou em projeto sensível às demandas sociais por proteção em termos de legislação penal, e que ao mesmo tempo se preocupa com a proteção dos direitos humanos – comentou.
O texto, que agora deverá ser convertido em projeto de lei ordinária, de fato inovou ao propor a criminalização de condutas da atualidade ainda sem previsão na legislação, como no caso dos crimes cibernéticos. Os juristas também não hesitarem em abordar temas espinhosos, como o aborto, nesse caso sugerindo novas hipóteses de prática legal para a interrupção da gravidez. Quanto às drogas, na linha do que foi feito em Portugal, foi admitida a legalização do porte para consumo pessoal em pequena quantidade.
A comissão foi designada pelo presidente José Sarney a partir de sugestão do senador Pedro Taques (PDT-MT). A composição foi feita a partir de indicações feitas pelos líderes partidários, o que resultou num colegiado de especialistas de formação diversificada e com grande experiência. O grupo inclui advogados, professores, promotores e defensores públicos.
O anteprojeto está organizado em mais de 500 artigos, ante os 356 do atual Código Penal. Conforme o relator, a maior quantidade de artigos decorre da incorporação ao texto de aproximadamente 130 leis que abordam temas penais de forma autônoma. Na prática, quase toda a chamada legislação extravagante foi transposta para o anteprojeto, como as leis de drogas e da lavagem de dinheiro. Também foi absorvida a parte de crimes de leis abrangentes, como Estatuto do Idoso e o Estatuto da Criança e dos Adolescentes.
- Embora o Código em si mesmo esteja maior, o sistema penal brasileiro ficará mais enxuto, com seu tamanho reduzido em cerca de quarenta por cento – assegurou
Evolução social
Conforme o relator, a comissão se orgulha do projeto, que evoluiu por “caminho inspirador”. Na sua avaliação, a sociedade evoluiu muito nos últimos 70 anos e está pronta para discutir seu conteúdo junto ao Congresso. Ainda assim, ressalvou que é impossível prever a evolução do debate em relação aos pontos mais controversos.
- Não posso antecipar os rumos versus os sonhos que esse debate vai encontrar. O que posso dizer é que a sociedade vem de uma trajetória que a credencia para mais altos vôos – afirmou.
Para Luiz Carlos Gonçalves, a sociedade vem dando sinais de que não aceita mais conviver com determinados crimes. Como exemplo, citou os delitos contra a dignidade sexual e os crimes contra a administração pública. Uma das inovações foi propor a criação do crime de enriquecimento ilícito. Em princípio, o servidor ou qualquer agente público com cargo provisório ou conseguido em eleições que, por falta de provas, escapar à condenação por corrupção poderá ser pego se apresentar riqueza incompatível com a renda declarada.
- O enriquecimento ilícito é um instrumento poderoso para o combate a corrupção – afirmou Luiz Carlos Gonçalves.
O procurador foi autor da sugestão para a criação desse novo tipo penal. Segundo ele, a inspiração veio das disposições da Convenção de Palermo, que trata do crime transnacional, reconhecida pelo Brasil. Para o relator, a inovação tem grandes chances de passar no Congresso, sem enfrentar decisão desfavorável mais tarde em possível exame de constitucionalidade se houver qualquer questionamento.
Em Portugal, o crime de enriquecimento ilícito tropeçou em exame feito pela Corte Constitucional. O entendimento foi o de que a conduta seria um tipo penal impróprio: o crime efetivo seria o ato anterior que deu causa ao enriquecimento – corrupção, peculato (apropriação, furto ou desvio de bem público) ou outra conduta.
- A corte constitucional portuguesa é muito afamada, mas quem decide aqui é Supremo Tribunal Federal. Temos níveis de percepção de corrupção que certamente devem influenciar a análise da constitucionalidade da proposta – disse.