Brasília – Oito anos depois de deixar o governo, o ex-presidente Juscelino Kubitschek ainda era motivo de preocupação dos militares que assumiram o poder pelo golpe de 1964. Documentos produzidos pelos serviços de informação em 1969 mostram o temor que o regime tinha de JK, principalmente de ele voltar à vida política em Minas Gerais. Um deles, da Segunda Seção do I Exército, analisa a situação do estado e conclui que seria necessário dissolver a corrente do ex-presidente, avaliando que isso seria uma questão de “sobrevivência para a revolução de 64”. O relatório sugere também que outras pessoas ligadas a Juscelino, como Tancredo Neves e Israel Pinheiro, tivessem seus direitos cassados.
Com 11 páginas, o documento intitulado Situação político-social de Minas Gerais teve uma difusão restrita e somente circulou no Serviço Nacional de Informações (SNI), Centro de Informações do Exército (CIE) e Comissão Geral de Investigações (CGI). O relatório foi produzido em Juiz de Fora em 8 de maio de 1969 e foi encaminhado para o comando do I Exército — que provavelmente o solicitara — pelo general Itiberê Gouvêa do Amaral, que chefiava o quartel-geral regional na cidade mineira. Na introdução, os militares afirmam que todas as informações que constavam no dossiê foram adquiridas com funcionários públicos federais e do próprio governo, inclusive secretários de Educação, Segurança e Finanças.
Na análise da situação política, os militares mostram claramente que havia uma rejeição ao governador Israel Pinheiro, que fora eleito depois do golpe militar de 1964. Ele é apontado como um “partidário ferrenho” de Juscelino, que teria indicado políticos para atuar na administração e também comandar a Assembleia Legislativa. “A corrente política do sr. Juscelino Kubitschek está cada vez mais fortalecida. Tão fortalecida está que, no momento, o seu desfacelamento torna-se, sem dúvida alguma, uma questão de sobrevivência para a revolução de 64”, observa o araponga em seu relatório.
Adiante, o documento sugere ao comando do I Exército algumas providências, como uma intervenção federal em Minas, recesso na Assembleia Legislativa e o controle sobre as secretarias, sobretudo as de Segurança e de Finanças. Porém, as ações não ficariam nas questões administrativas, mas também em outros campos. “Complementando qualquer das linhas de ação, necessário e imprescindível se torna a eliminação política, através de cassação de direitos políticos e mandatos eletivos, de elementos reconhecidamente inimigos da revolução de 64 ou mesmo daqueles que, por suas simples ligações políticas, desprestigiam a ação desse movimento, enfraquecendo-o”, destaca o serviço de informações no relatório.
Mobilização
Os militares se referiam claramente a Juscelino, a quem temiam, como eles próprios admitiram. “Entres estes últimos (os grupos políticos), já por uma questão de sobrevivência, é necessário que, desde logo, se apontem nomes ligados a Juscelino Kubitschek, personalidade que ainda pode realmente convulcionar politicamente o estado e que efetivamente congrega politicamente força eleitoral considerável, mas nunca temível. São eles: Tancredo Neves, Renato Azeredo, Hugo Aguiar, Ozanan Coelho, Murilo Badaró, Israel Pinheiro Filho, Crispim Jacques Bias Forte, na área federal; Pio Canedo, Manoel Costa, Delson Scarano, João Navarro, Orlando Andrade e Jairo Magalhães, na estadual”, recomenda o documento.
O relatório feito pela Segunda Seção, que é o serviço reservado do Exército, ainda recomenda que as ações contra a corrente de Juscelino não devam ser pontuadas. “Na conjuntura atual, mais válida e necessária se torna a ofensiva sobre o grupo e seu significado do que a preocupação de atingir somente os elementos isolados”, observa o araponga no relatório encaminhado a seu superior. “Ou se destrói o grupo de possibilidade germinadora ou ele crescerá e abafará, liquidando o esforço até então dispensado no sentido de moralização político-social do estado e mesmo da nação”, encerrou o oficial.