Jornal Estado de Minas

Familiares ainda procuram respostas sobre companheiro de Dilma desaparecido

Pedro Paulo Bretas, que fazia parte do grupo de Dilma nos anos de chumbo, desapareceu no exterior em 1996, 17 anos depois da abertura política

Leonardo Augusto
Mais de três décadas depois da anistia, um mistério ainda ronda o grupo político que lutou ao lado da presidente Dilma Rousseff contra a ditadura militar. Um dos aliados da hoje petista no período, Pedro Paulo Bretas, nascido em Guanhães, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerais, desapareceu há 16 anos na Espanha depois de outros 16 anos afastado do Brasil. O último contato do antigo colega da presidente nos anos de chumbo, que à época vivia em Barcelona, foi feito com a namorada, a espanhola Maria Rebeca, que morava em Madri, no início de 1996 por telefone.
Segundo processo movido em 1969 pela Procuradoria Militar da 4ª Região, Bretas era do “setor de expropriação” da organização à qual pertencia, o Comando de Libertação Nacional (Colina), participando de “ações à mão armada para obtenção de veículos, armas e munições” para a prática de “terrorismo e sabotagem, principalmente atentados”.

O último contato feito com Rebeca foi relatado em carta enviada pela espanhola à família do militante em Guanhães em 29 de junho de 1996: “(Bretas) vinha todas as semanas. Ficava por três ou quatro dias. Sempre falávamos por telefone”. Em seguida, conta da interrupção das ligações e visitas: “Faz uns meses que não sei nada. (No último telefonema) estava preocupado e nervoso. Disse que devia muito dinheiro”. A correspondência foi enviada a Guanhães de Las Palmas, nas Ilhas Canárias, para onde Rebeca viajava com frequência a negócios. Bretas esteve no Brasil pela última vez em 1980, com a Lei da Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, mas decidiu não voltar a viver no país. No período em que esteve no exterior, contou com a ajuda financeira de parentes.

O militante de esquerda, que assim como Dilma Rousseff ficou detido no presídio de Linhares, em Juiz de Fora, na Zona da Mata, era apontado pelos militares como o responsável pelo roubo de placas de automóveis e pelo envolvimento no assalto a um jipe da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais que transportava dinheiro de Belo Horizonte para Guanhães, em 29 de agosto de 1968. Foi atribuída a Bretas também a participação em outro assalto, a um banco em Sabará. Com os pais, já falecidos, Bretas falou pela última vez em 29 de junho de 1994, no dia de seu aniversário, conforme relato da irmã, Fátima Bretas.

Conhecido como Kleber ou Amaury na luta contra o regime militar, o colega de Dilma foi preso em 1969 e, depois de torturado, revelou a localização da casa no Bairro São Geraldo que abrigava integrantes do Colina. Com a informação, agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e da Delegacia de Furtos e Roubos foram enviados até o local. Houve troca de tiros. Dois agentes da repressão morreram. Todas as pessoas que estavam na casa foram presas. Um militante da esquerda e um policial foram feridos.

Cobaia Sem informações sobre o filho, o pai de Bretas, Antonio Furbino Bretas, entrou com processo contra o estado para concessão de indenização. O dinheiro, R$ 30 mil, foi pago em 2003. Além de Juiz de Fora, Bretas esteve preso no Rio de Janeiro, onde chegou a servir como cobaia em uma espécie de “aula” de tortura para cerca de 100 sargentos. O militante político foi colocado no pau de arara e teve os dedos pressionados por barras de metal. O “professor” era chamado de tenente Ayton. Para receber a indenização, a família alegou que as torturas causaram problemas psicológicos a Bretas.

O colega de resistência da presidente Dilma Rousseff nasceu em 1945 e chegou a Belo Horizonte em 1967 para estudar medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um ano depois da prisão em 1969 foi exilado para o Chile ao ser incluído no grupo de militantes de esquerda trocados pela libertação do embaixador suíço no Brasil Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pelo comando de outro grupo de esquerda à época, a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Com o golpe militar contra o presidente Salvador Allende, em 1973, foi deportado do país. Viveu na Costa Rica e na Venezuela antes de se mudar para a Espanha nos anos 90.

Série mostrou ação do grupo

O Estado de Minas publicou entre os dias 17 e 25 de junho uma série de reportagens exclusivas sobre a tortura sofrida por Dilma Rousseff nos porões da ditadura em Juiz de Fora no início dos anos 1970. O trabalho jornalístico foi baseado no depoimento concedido por Dilma ao Conselho de Direitos Humanos de Minas Gerais em 2001, quando ela era ocupava o cargo de secretária do governo do Rio Grande do Sul. Nesse relato, ela contou sua trajetória como militante política, falou sobre a violência que sofreu e sobre o grupo em que atuou, o Colina, o mesmo de Pedro Paulo Bretas.