O Ministério Público Federal (MPF) acusa a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e a Secretaria de Direitos Humanos de omissão e improbidade administrativa por conta de falhas na localização e identificação de restos mortais. O documento, a que a reportagem teve acesso, foi encaminhado à Comissão da Verdade.
Ofício encaminhado ao Ministério da Justiça pelo coordenador da Comissão da Verdade, Gilson Dipp, pede esclarecimentos sobre o estágio dos trabalhos nos casos citados pelo MPF e os resultados obtidos na definição da identidade de ossadas.
Segundo o relatório dos procuradores da República, a inércia e a ineficiência da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos teriam chegado a limites insustentáveis.
“Inicialmente o MPF atribuiu a dificuldade em obter avanços na matéria à carência de recursos humanos e materiais da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos”, diz o texto. Em seguida, porém, a omissão da comissão e da secretaria abriu espaço para considerar a existência de responsabilidades pessoais pela violação de direitos fundamentais.
Improbidade
“As ausências de respostas aos ofícios, às recomendações e notificações chegam às raias da improbidade administrativa, salvo melhor juízo. Após mais de 10 anos de atuação do MPF na matéria, é possível afirmar que a secretaria e a comissão não realizam suas obrigações legais de ofício. E, mesmo quando provocados pelo Ministério Público Federal, tergiversam”, diz a conclusão da procuradora Eugênia Augusta Gonzaga.
Ela cobra ações imediatas perante a secretaria e a Presidência da República. O documento, intitulado "Relatório para Fins de Prosseguimento nos Trabalhos de Busca e Identificação de Mortos e Desaparecidos Políticos no município de São Paulo", é assinado também pelo subprocurador-geral da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Veiga.
Os procuradores listam procedimentos administrativos e ações civis públicas em tramitação na Justiça de São Paulo sobre o tema. Detalham ainda as dificuldades encontradas na localização dos mortos e desaparecidos políticos nos cemitérios de Vila Formosa e Dom Bosco, no bairro de Perus.
Na avaliação dos procuradores, a situação no cemitério de Vila Formosa é dramática. “Imagina-se que não haverá alternativa senão a construção de um memorial para registro dos fatos. É praticamente impossível a localização de uma ossada específica, inumada ali como indigente há mais de 40 anos, como ocorria com os militantes políticos.” O cenário não seria muito diferente no Dom Bosco, que alterou critério de identificação das covas.
O documento ressalta que ossadas (cerca de 1.049) separadas em 1990 permanecem desde 2001 no Cemitério do Araçá. Não foram até hoje examinadas por quaisquer das sucessivas equipes que atuaram nos trabalhos de identificação.
O MP especifica casos de militantes políticos, como Hiroaki Torigoe, que, apesar das indicações das ossadas, não teria entrado na pauta da comissão, e Luiz Hirata e Aylton Mortati, cujos restos mortais aguardam a finalização de exames antropológicos e de DNA, prometidos desde outubro de 2010.
Secretaria
A Secretaria Especial de Direitos Humanos informou ontem, por meio de sua assessoria de imprensa, que não recebeu o relatório do MPF sobre omissões no trabalho de localização e identificados de desaparecidos políticos.
No mesmo comunicado, a secretaria ressaltou que a busca de respostas para os familiares dos desaparecidos é uma prioridade e que conta com a contribuição da sociedade, do MPF e da Comissão da Verdade para melhorar os trabalhos.
Marco Antonio Barbosa, presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, também citada no relatório do MPF, informou que, por enquanto, não iria se manifestar. “Desconheço o texto e só posso comentar após tomar conhecimento”, disse.